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ALIMENTAÇÃO
Cânhamo que dá leite
A bebida e outros alimentos feitos a partir da planta da maconha são vendidos nos EUA e no Canadá; especialistas confirmam a presença de nutrientes, mas pedem cautela
MAURÍCIO HORTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"O "hemp milk" tem
saído tão bem
quanto o leite de
soja, e pais me dizem que o sabor baunilha é perfeito para as crianças", diz Marcus Amies, gerente da loja de
produtos naturais Jimbo's,
num subúrbio de San Diego,
Califórnia (EUA). O produto
-um leite vegetal orgânico
com leve sabor de nozes e rico
em aminoácidos essenciais e
ômega 3 e 6- teria tudo para
atingir mercados mundiais de
orgânicos, não fosse um detalhe: é feito a partir de Cannabis
sativa L., a planta da maconha.
Após seis décadas de proibição no Canadá por seu uso recreativo, o cultivo comercial do
cânhamo reiniciou-se em 1998.
Os EUA, que forçaram o vizinho à criminalização nos anos
1930, abocanham hoje 59% das
exportações. Lá, o litro do leite
de cânhamo custa US$ 4,99; a
garrafa de 457 g de azeite, US$
14,99; e barrinhas energéticas,
US$ 2,29. No Brasil, os produtos não estão disponíveis.
Nutrientes
"Como sementes de outras
plantas, a maconha tem constituintes nutritivos", diz o psicofarmacologista Elisaldo Carlini, da Universidade Federal de
São Paulo. Segundo ele, não há
risco de sentir "barato" ao ingerir esses produtos.
"Nas sementes não se encontra quase nada de THC [tetrahidrocanabinol, sua molécula
psicoativa]", afirma.
A substância concentra-se na
resina excretada pelas flores da
planta fêmea, não usada nos
alimentos. Ademais, o cânhamo industrial tem concentração de THC de 0,5%, contra
mais de 5% da cepa usada para
fins recreativos.
Seu óleo é rico em ácidos graxos essenciais -ômega 6 e
ômega 3. Embora não sejam
sintetizados pelo organismo,
são necessários, por exemplo,
para a transmissão de impulsos
nervosos, síntese de hemoglobina e divisão celular.
"O que chama a atenção não é
apenas a quantidade, mas sua
proporção", diz a nutricionista
Samara Crancio, do Conselho
Regional dos Nutricionistas de
ES, MG e RJ.
O óleo do cânhamo apresenta uma razão de três partes de
ômega 6 para uma de ômega 3
-dentro da ideal, entre 2:1 e 3:1,
proposto por pesquisas, diz
Crancio. "O mais próximo disso
é o óleo de canola, mas o do cânhamo é melhor. Já uma razão
muito elevada favoreceria o desenvolvimento de doenças
alérgicas, cardiovasculares e inflamatórias."
As proteínas da semente fazem dela uma boa opção vegetariana, segundo a nutricionista. "Poucos alimentos vegetais
têm proteínas de alto valor biológico, e entre eles estão as sementes de soja e de cânhamo."
Enquanto a soja é indicada
especialmente para mulheres
que entram na menopausa ou
que precisam fazer reposição
hormonal, por conta das isoflavonas -fitoesterol que "imita"
o hormônio feminino estrogênio-, o cânhamo é bom para
pacientes com deficiência de
ácidos graxos essenciais, crianças e atletas, diz Crancio.
Em 100 g de semente ainda
estão presentes mais de 100%
da recomendação diária de vitamina A e quase o suficiente
de B1 e B2. Como sua produção
não exige herbicidas nem fertilizantes, sua maior parte é certificada como orgânica, segundo o Departamento de Agricultura do Canadá.
Seria então o alimento perfeito? Ainda é cedo para dizê-lo.
"Geralmente, alimentos têm
componentes bons e ruins, e o
importante é oferecer um que
seja seguro. Ainda não encontrei estudos científicos que
comprovem que essa semente
seja livre de compostos antinutricionais", diz Jocelem Salgado, professora de Nutrição Humana da Esalq-USP e presidente da Sociedade Brasileira de
Alimentos Funcionais.
Produto de exportação
O negócio ainda é pequeno.
Segundo a Aliança Comercial
Canadense do Cânhamo, o
mercado de qualquer nova variedade agrícola demora de 15 a
50 anos para se desenvolver. O
cultivo legal do cânhamo mal
alcançou uma década.
Ainda assim, as exportações
vêm crescendo. Segundo o Departamento de Estatística canadense, o país exportou em
2007 US$ 2,1 milhões em sementes, comparados a US$ 1,3
milhão no ano anterior.
A americana Living Harvest
produz o leite de cânhamo há
dois anos e, nos próximos meses, lançará o sorvete Tempt.
Como o cultivo é ilegal nos
EUA, precisa importar toda a
matéria-prima do Canadá. Já a
Manitoba Harvest, que produz
o leite Hemp Bliss, é canadense, mas exporta 65% de sua produção -60% para os EUA.
Mike Fata, presidente da empresa, quer espalhar o leite pelo
globo. "Estamos nos mudando
para uma fábrica muito maior.
[Vamos] aumentar nossa capacidade, dar conta da demanda
norte-americana e expandir
nossos mercados. Já entramos
em contato com empresas no
Brasil e vamos lançar produtos
aí quando for a hora."
Não será fácil. A Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proíbe sua importação, seja como matéria-prima, seja como produto semielaborado ou seja como produto acabado, embora a semente já entre no Brasil em rações
para aves da família dos psitacídeos (como papagaios).
Jocelem Salgado, que alimenta seus pássaros com esse
tipo de ração, crê que as prateleiras brasileiras não receberão
cedo os alimentos de cânhamo.
"Nossa legislação é mais séria.
É necessário muita pesquisa."
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