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Saúde
Muita calma nessa hora
Aulas de ioga ajudam a minimizar sintomas de
hiperatividade e falta de atenção e podem ser
combinadas com medicamentos para acelerar o
tratamento de crianças com essas características
Leonardo Wen/Folha Imagem
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Júlia Arakaki Affonso, 6, que pratica os movimentos há dois anos |
IARA BIDERMAN
PRISCILA PASTRE ROSSI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Com cara de anjo e sentado como um pequeno Buda, Bruno Skaf
Borges, 10, parece ser
zen desde criancinha. O garoto
entrega: "Eu extrapolava, era
muito bagunceiro". Agitado,
com dificuldade de se concentrar e de conter seus impulsos,
Bruno começou a freqüentar
aulas de ioga quando tinha oito
anos, por sugestão do pai, o
aposentado Aidar Borges, 46.
"O Bruno era muito disperso,
hiperativo. Primeiro, coloquei
ele no caratê, achei que podia
ajudar, mas não mudou grande
coisa. Então sugeri a ioga", conta o pai. A melhora foi acontecendo aos poucos, mas, depois
de um ano, já pôde ser sentida
na convivência familiar, no
rendimento escolar, nas relações sociais e, principalmente,
pelo próprio Bruno.
Adepto da prática há alguns
anos, o pai do garoto apostou na
ioga por intuição. Mas uma tese
publicada neste ano mostra
que a aposta pode ter base científica. Um estudo controlado
feito na clínica de psiquiatria e
psicoterapia infantil da Universidade de Heidelberg (Alemanha) concluiu que a ioga é um
tratamento complementar altamente indicado para o chamado TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade). Segundo os pesquisadores, a ioga mostrou-se mais eficaz do que outras práticas corporais ou atividades físicas na
redução dos sintomas relacionados ao distúrbio. O estudo
também mostra que os melhores resultados foram verificados nas crianças que, aliado à
prática de ioga, tomavam medicamentos específicos prescritos para o quadro.
"Uma atividade com regras e
rituais bem determinados [como a ioga] traz benefícios à
criança com essas características e pode fazer com que ela
melhore mais rapidamente",
diz Luiz Celso Vilanova, chefe
do setor de neurologia infantil
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Vilanova pondera que, dependendo
do grau de hiperatividade, a
criança pode ter dificuldade em
seguir uma aula e ficar parada
nas posturas. Nesse caso, a associação da prática com os medicamentos indicados contribui para a obtenção dos resultados, como aponta a pesquisa.
Para Enio Roberto de Andrade, coordenador do ambulatório para TDAH para crianças e
adolescentes do IPq-HC (Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas de São Paulo), os
exercícios de relaxamento,
concentração e meditação da
ioga trazem benefícios apenas
se a criança consegue estender
esse aprendizado para as práticas cotidianas. "A idéia é fazer
com que elas aprendam estratégias para lidar com as suas dificuldades. Isso aumenta a
chance de virem a ficar sem o
remédio, mas não há garantia
de que isso ocorra." Segundo
Andrade, a principal causa do
TDAH, que afeta entre 3% e 5%
das crianças brasileiras, é genética e, na maioria dos casos, é
indicada a medicação. "É mais
fácil tratar com remédios para
evitar desgaste no relacionamento familiar, comprometimento social e insucesso na escola", diz Vilanova.
Concentração
Freqüentemente, é na escola
que os efeitos da pouca atenção
e do excesso de atividade são
mais notados. Quando a funcionária de cartório Maria
Aparecida Arakaki Affonso, 45,
foi chamada à escola de sua filha, Júlia, 6, para tratar da
grande dificuldade da menina
para focar a atenção nas atividades, procurou diferentes
abordagens para resolver o
problema. Mesmo não sendo
uma praticante de ioga, Maria
Aparecida achou que isso poderia ajudar. Hoje, comemora
os resultados. "A Júlia está
muito mais concentrada e acho
que foi a ioga que deu o empurrão para ela conseguir focar a
atenção. Sua avaliação [escolar] melhorou, as professoras
comentam, elogiam", conta.
O garoto Bruno percebe bem
como a ioga ajuda na sua vida
escolar. "Levei muito "ralo" na
escola, cansei. Agora uso o que
aprendi na ioga para me concentrar, faço uma "mentalização" na hora da prova. Também
"estouro" menos, se alguém me
xinga, entra por um ouvido e
sai por outro." Ele conta que,
no começo, achava que não ia
gostar da prática. "Pensava que
era só ficar parado, meditando,
meditando... Mas não, você se
envolve porque tem de usar o
corpo e a cabeça", explica.
"A ioga favorece a auto-reflexão e organiza os estímulos.
Por isso, pode ser um complemento e até uma alternativa
para não medicar", acredita a
psicóloga Vera Zimmerman,
coordenadora do Crie (Centro
de Referência da Infância e da
Adolescência) da Unifesp.
Zimmerman afirma, porém,
que a prática não pode ser considerada uma solução milagrosa. "É preciso orientação, para
ajudar a criança a agregar a experiência do que fez na aula. A
prática deve ser degustada, deve criar associações qualitativas para a vida. E isso também
pode ser obtido com outras atividades".
Energia focada
É comum acreditar que o hiperativo precisa de uma atividade para "gastar energia" e
que, dificilmente, consegue ficar parado em uma postura de
ioga. "Simplesmente gastar
energia, sem foco, desorganiza
ainda mais a criança. Não se
trata de quantidade, e sim de
qualidade", diz Zimmerman.
A questão de saber se a criança vai agüentar ou não a disciplina que a prática requer depende da motivação do aluno e
da persistência dos pais -muitas vezes, os resultados demoram meses para serem observados. Há casos, no entanto,
em que podem ser sentidos
quase que imediatamente. A
carioca Camille Guimarães Sá
Rego, 11, faz ioga desde março.
A mãe, a analista de sistemas
Marcia Regina Guimarães Sá Rego, 52, está animada com o
resultado. "Quinze dias depois
da primeira aula, comecei a notar mudanças no comportamento da Camille. Antes ela
misturava todas as atividades.
Estudava assistindo programas
de televisão e ouvindo música.
Era tudo ao mesmo tempo",
conta a mãe. A própria Camille
percebeu a mudança: "Agora
tenho hora para brincar, ler, estudar e ver televisão. Aprendi
como é bom ter calma e curtir
uma coisa de cada vez. E faço isso sozinha. Minha mãe nem
precisa mais pegar no meu pé".
A empresária Andréa Maria
Nabhan, 35, mãe de Amanda, 7,
afirma que, após um mês de
prática, já percebeu mudanças
significativas na filha. Entre
outras coisas, o sono da menina
melhorou muito. "A Amanda
tinha muita dificuldade para
dormir e eu também não dormia. Ela aprendeu técnicas de
relaxamento e de respiração e
consegue adormecer mais rápido e ter uma noite melhor de
sono", diz a mãe.
Não é pouca coisa, pois as
noites bem-dormidas melhoram a qualidade de vida de mãe
e filha e evitam muitos atritos
familiares -o apoio dos pais é
fundamental para o tratamento do TDAH. "Não adianta tomar medicação ou fazer uma
atividade específica se não houver mudança em um ambiente
familiar desorganizado", afirma Zimmerman.
Posturas e histórias
Amanda também aprendeu a
controlar a impulsividade, outra característica de hiperativos. Quando sente que vai explodir, tem um truque: o movimento do lenhador dando uma
machadada, postura de flexão
para a frente coordenada com a
respiração, que aprendeu na
aula de ioga.
"As flexões para a frente desaceleram os batimentos cardíacos, diminuindo a ansiedade
e a agitação", explica a professora Gisele Jacob, que dá aulas
particulares de ioga na academia Reebok. Jacob conta que,
além das posturas ("asanas") e
do relaxamento conduzido, há
uma série de exercícios respiratórios ("pranayamas") específicos para hiperativos.
"As aulas são direcionadas
para as necessidades de cada
criança. Se elas chegam agitadas demais, trabalhamos com
posturas que acalmam e com
atividades que as ajudam a se
integrar no grupo", diz Ana Maria Novaes Gonzalez, professora da escola Prema Yoga, de São
Paulo. A possibilidade de estabelecer uma relação mais individualizada com o aluno é uma
vantagem para a criança com
TDAH, já que "costuma ter dificuldades na socialização, o que
pode prejudicar o aproveitamento em jogos coletivos", diz
o neurologista Vilanova.
Ângela Maria Jácomo Martinez, professora da Yoga Narayana, em São Paulo, conta que
uma aula para crianças é feita
de maneira lúdica, em que são
propostos jogos e brincadeiras.
As posturas ganham nomes
que estimulam a imaginação da
criança: a do macaco, a do elefante etc. Além disso, são contadas histórias explicando a
origem das posturas. "A atividade física, em geral, já é benéfica para a saúde mental. Se inclui o aprendizado de regras,
noções de companheirismo e
ética, fica melhor ainda", conclui o psiquiatra Enio Roberto
de Andrade.
Onde praticar: Prema Yoga
r. Maria Figueiredo, 189, Paraíso, SP, tel.
0/xx/11/3283-0884
www.premayoga.com.br
Yoga Narayana
r. Ceará, 272, Pacaembu, SP, tel.
0/xx/11/3826-5549
www.yoganarayana.com.br
Carmen Perez
r. Pamplona, 300, Bela Vista, SP, tel. 0/xx/11/3141-1576
www.carmenperez.com.br
Reebok Sports Club
r. Olimpíadas, 205, Vila Olímpia, SP, tel. 0/xx/11/3847-7878; av. Duquesa de Goiás, 800,
SP, tel. 0/xx/11/3759-7878
www.reebokclub.com.br
Núcleo Cultural Samyama de Yoga
r. Barão de Mesquita, 205 B, Tijuca, RJ, tel. 0/xx/21/2264-9037
www.shanti-info.com.br/samyama
[...] "A ioga aumenta a chance de a criança ficar sem remédio, mas não há garantia de que isso ocorra"
Enio Roberto de Andrade
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