São Paulo, quinta-feira, 12 de outubro de 2006
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entrevista

só vale ser o primeiro

Especialista em psicologia do esporte, Katia Rubio discute a pressão sobre o segundo lugar nas competições esportivas

AMARÍLIS LAGE
PRISCILA PASTRE ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Chegar em primeiro lugar virou obrigação. Para isso, não basta superar os próprios limites. É preciso superar os limites do outro. Segundo a especialista em psicologia do esporte Katia Rubio, essa relação da sociedade com o primeiro lugar nas competições esportivas começou após a Revolução Industrial. Em entrevista à Folha, a psicóloga explica por que faz essa ligação, fala dos traumas que tamanha exigência por resultados pode gerar e aborda como lidar com as frustrações e a importância de agir dentro dos próprios limites.

 

FOLHA - Em que a Revolução Industrial mudou a relação que os atletas têm com a idéia de ganhar e perder?
KATIA RUBIO -
Se tomarmos a Revolução Industrial como um marco não só econômico mas também cultural do mundo ocidental, veremos que existe uma transformação de valores caros à sociedade relacionados à competitividade pela produção. Todos passam a lutar por um lugar ao sol, o que produz efeitos traumáticos ao ser humano naquilo que diz respeito à constituição da sua subjetividade. Depois da revolução, o objetivo passou a ser superar o outro. Antes, a busca era pela superação do próprio limite.

FOLHA - Quais são as vantagens e as desvantagens dessa mudança?
RUBIO -
Psicologicamente só há desvantagens, já que o atleta entrará em uma busca constante. Por mais que ele vá atrás do resultado e dê o melhor de si, esse melhor pode não ser o suficiente para a equipe, para os patrocinadores e para a sociedade. O resultado disso é um só: sentimento de frustração.

FOLHA - Quando o atleta perde uma prova, ele corre o risco de perder também o patrocínio. Como isso afeta a forma como ele se relaciona com a competição?
RUBIO -
Ele acaba ficando escravo dela, principalmente quando está representando um país. Não é raro ele ir em busca de meios que o deixem mais próximo do melhor resultado a qualquer custo, como o doping. O atleta acaba se sujeitando a soluções mágicas e arriscando a carreira e a própria vida.

FOLHA - Qual passou a ser o significado do segundo lugar?
RUBIO -
Passou a ser o significado que a sociedade impõe. Virou obrigação ser o melhor. O homem contemporâneo não está preparado para encarar um segundo lugar, o que pode desencadear diversas psicopatologias, chegando a uma depressão profunda, levando a uma aposentadoria precoce ou às drogas. Um caso famoso de transformação de herói em vilão no Brasil é o do goleiro Barbosa, que, no jogo decisivo da Copa do Mundo de 1950, tomou o gol que deu o título ao Uruguai. Ele foi vítima da condição do esporte, que é ganhar ou perder, mas virou carrasco.

FOLHA - É possível resistir?
RUBIO -
A resistência é a última esperança. Antes de se sujeitar ao doping, por exemplo, é preciso que o atleta se pergunte: "Será que eu preciso ser tanto assim para alcançar a felicidade? Será que é preciso vencer a qualquer custo? Agir dessa forma não me causará um problema ainda maior do que a perda de um patrocinador ou um menor reconhecimento?". A mesma análise deve ser feita em qualquer ambiente de trabalho. A sociedade acha que o mundo é dos vencedores. Mas é preciso avaliar se vale a pena pagar qualquer preço para ser sempre o melhor.


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