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ANÁLISE
Dizer a verdade não é como ser cientista
ALFREDO JERUSALINSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nos últimos cem anos,
produziram-se duas
grandes transformações no que se refere
à importância dos chamados
"laços de sangue" para estabelecer a legitimidade de uma filiação. A primeira: colocou-se
em maior relevo o amor e o desejo dos pais para garantir um
lugar digno para os filhos. A segunda: criaram-se novas técnicas reprodutivas que desvincularam a condição de filho da
consanguinidade.
Isso contribuiu para relativizar a determinação da herança
genética nas qualidades do filho e para verificar a grande influência dos modos de criação
sobre essas qualidades.
Porém, os mitos clássicos da
transmissão cultural pela via
do sangue têm encontrado um
equivocado suporte em alguns
achados da genética contemporânea, e eles sobrevivem na
crença de que um filho vai se
sentir mais legítimo quanto
mais consanguíneo ele for.
É por isso que há pais que se
empenham em ocultar do filho
sua origem. Esse ocultamento
gera para a criança uma zona de
mistério ameaçante, porque o
que nela se coloca em dúvida é a
dignidade de sua origem e porque tal segredo esconde o temor dos pais de não serem verdadeiros pais.
Se os adultos tivemos até
agora a prudência de intermediar a revelação da relação sexual dos pais com histórias do
pólen e de abelhinhas, o que
nos impediria de inventarmos
novas histórias com simpáticos
disfarces capazes de recobrir a
crueza das ampolas, das espátulas e dos bancos de esperma?
Ou será que acreditamos que
seja nossa obrigação agirmos
com nossos filhos como se fôssemos cientistas?
ALFREDO JERUSALINSKY é pediatra e doutor
em psicologia pela USP
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