São Paulo, quinta-feira, 12 de novembro de 2009
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ANÁLISE

Dizer a verdade não é como ser cientista

ALFREDO JERUSALINSKY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos últimos cem anos, produziram-se duas grandes transformações no que se refere à importância dos chamados "laços de sangue" para estabelecer a legitimidade de uma filiação. A primeira: colocou-se em maior relevo o amor e o desejo dos pais para garantir um lugar digno para os filhos. A segunda: criaram-se novas técnicas reprodutivas que desvincularam a condição de filho da consanguinidade.
Isso contribuiu para relativizar a determinação da herança genética nas qualidades do filho e para verificar a grande influência dos modos de criação sobre essas qualidades.
Porém, os mitos clássicos da transmissão cultural pela via do sangue têm encontrado um equivocado suporte em alguns achados da genética contemporânea, e eles sobrevivem na crença de que um filho vai se sentir mais legítimo quanto mais consanguíneo ele for.
É por isso que há pais que se empenham em ocultar do filho sua origem. Esse ocultamento gera para a criança uma zona de mistério ameaçante, porque o que nela se coloca em dúvida é a dignidade de sua origem e porque tal segredo esconde o temor dos pais de não serem verdadeiros pais.
Se os adultos tivemos até agora a prudência de intermediar a revelação da relação sexual dos pais com histórias do pólen e de abelhinhas, o que nos impediria de inventarmos novas histórias com simpáticos disfarces capazes de recobrir a crueza das ampolas, das espátulas e dos bancos de esperma?
Ou será que acreditamos que seja nossa obrigação agirmos com nossos filhos como se fôssemos cientistas?


ALFREDO JERUSALINSKY é pediatra e doutor em psicologia pela USP


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