São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 2003 |
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Ex-obesos contam como outras armas, além da redução de calorias, podem ser essenciais na guerra com a balança Terapia entra na vida de quem precisa emagrecer
CIÇA GUEDES FREE-LANCE PARA A FOLHA
Nestes tempos de Fome Zero e duelo de estatísticas acerca do número de famintos no Brasil, pode soar estranha a afirmação de
que o excesso de comida desponta como o grande vilão da saúde. Se
IBGE e Ipea divergem sobre quantos não conseguem fazer três refeições todos os dias, os médicos não têm dúvidas ao afirmar que a obesidade será um dos maiores problemas de saúde pública do século.
E o tratamento da doença ocupa cada vez mais espaço não apenas no
consultório do endocrinologista ou
do nutricionista, mas também nas salas de psiquiatras e psicólogos, os
quais são incluídos nas equipes multidisciplinares para ajudar quem não
aguenta mais carregar um corpo no
qual não se reconhece.
A idéia é mudar o padrão de relacionamento com a comida. "Ninguém tem a pretensão de afirmar que
psicoterapia emagrece, é preciso ingerir menos e gastar mais calorias.
Mas, para a pessoa chegar a esse ponto, ela precisa estar bem consigo mesma", diz o psiquiatra Arthur Kaufman, coordenador do Prato (Projeto
de Atendimento ao Obeso), do Instituto de Psiquiatria do HC.
Durante três meses, as pessoas selecionadas pelos profissionais do Prato
são orientadas sobre o que fazer para
perder peso e -o mais difícil- não
voltar a engordar. O pacote inclui
exercício físico, biodança, atendimento por nutricionista e psicoterapia em grupo -a grande procura inviabiliza o atendimento individual.
O neurologista e professor de psiquiatria da USP Sidney Chioro trabalha há 35 anos com técnicas que têm
como objetivo "enfraquecer os padrões cerebrais que engordam e
criam problemas de saúde e ativar os
padrões cerebrais que emagrecem e
melhoram a saúde". Ou seja, a grosso
modo, os neurônios são como caminhos, diz Chioro, que podem levar a
emoção para diferentes direções. Um
tédio pode sair pela boca levando a
pessoa a fazer um sanduíche ou levar
a pessoa a fazer um programa interessante, por exemplo.
A cada 15 dias, ele reúne em sua clínica obesos, gordos e gordinhos em
palestras. Quem se identifica com o
que ouve faz o tratamento, no qual o
candidato a magro tem de aprender,
basicamente, a distinguir fome legítima de impulso de comer.
Cleide Maciel de Godoy, 34, corretora de seguros, afirma que levou meses para distinguir o que é fome de
verdade da chamada "vontade de comer". "A primeira vez que eu identifiquei claramente o impulso foi após o
telefonema de uma cliente desesperada porque havia descoberto um tumor no cérebro e estava com problemas com o plano de saúde. Eu havia
almoçado, estava sem fome, mas, assim que desliguei o telefone, corri para a geladeira do escritório. Eu só
queria alguma coisa para mastigar,
que aliviasse a minha tristeza", conta.
Depois disso, é preciso aprender a
identificar quando se está saciado. E a
evitar a retenção de urina e de fezes
no organismo, outro fator que leva ao
excesso de peso. Parece fácil? Godoy,
que perdeu 20 quilos em um ano e
dois meses, já indicou a clínica para
uns 30 conhecidos. Todos foram à
primeira palestra, que é gratuita, mas
nenhum fez o tratamento -duas horas, uma vez por semana- até o fim.
"Eu acho que consegui me livrar
dos quilos a mais no dia em que tirei a
comida do pedestal e me coloquei lá",
diz Roseny Rabelo Pinheiro da Silva,
33 anos, engenheira civil, que perdeu
12 quilos em 12 meses de tratamento
com Chioro. "É difícil aprender a dizer não para a comida. Já viu como é
em casa de gordo? Ficam oferecendo
"come, come mais um pouco" e, se você recusa, sentem-se até agredidos."
"Todo obeso tem uma imagem gorda na cabeça. Regime, remédio, ginástica, os métodos tradicionais realmente emagrecem, mas são repetitivos, e, em geral, quando o paciente
pára, engorda tudo de novo. Quando
consegue resistir ao impulso de comer e aprende a estimular o bom funcionamento dos rins e do intestino,
ele pode comer o que quiser e não engorda. Tirou a imagem gorda do cérebro e aprendeu a lidar com a ansiedade que deixa a boca nervosa", afirma Chioro. Na lista de recomendações, ele inclui beber muita água e comer fibras, mas não há restrições.
Emagrecer, antes de mais nada, requer disciplina. "Até para tomar remédio", diz o neurologista Cláudio
Péricles, gerente médico do laboratório GlaxoSmithKline, um dos que
tem investido em pesquisa para encontrar remédios para ajudar no
combate ao excesso de peso.
Já para o endocrinologista e vice-presidente da Federação Latino-Americana de Obesidade, Walmir Coutinho, "a equipe ideal precisa ter psicólogo, nutricionista, professor de educação física. Sempre fui um defensor das equipes multidisciplinares para tratamento da obesidade. Ninguém precisa ficar desconfortável, achar que é um desequilibrado emocional para se submeter ao tratamento psicoterápico". A psicóloga Rejane Sbrissa, que trabalha com pessoas com distúrbios alimentares -anorexia, bulimia, comer compulsivo- há 11 anos e é, ela mesma, uma pessoa que lutou muito tempo contra a gordura, tabulou as respostas dadas por pessoas que acessaram o site que ela mantém há três anos, o Pense Magro. Das 3.000 pessoas que responderam sobre os motivos que as levam a comer em excesso, 71,3% cravaram a baixa auto-estima e o fato de não gostarem de seu corpo como resposta (confira o quadro na pág. 8). Também nos divãs encontram-se muitos gordos à espera de um milagre. "Uma das razões que leva a pessoa a voltar a engordar é colocar muita expectativa em ser magro, acreditar que, se for esbelta, resolverá os problemas. Quando ela emagrece e nem assim resolve suas questões, volta a ganhar peso", diz a psicóloga. No consultório, pelo menos a metade das pessoas interrompe o tratamento. "O brasileiro liga muito comida com emoção. Come para não magoar a mamãe, que fez uma comida tão boa! Devora três pedaços de bolo porque foi a vovó quem fez. Faz aquele pratão para o garoto, e ele é obrigado a comer porque há tanta gente passando fome... É preciso comer só quando há fome, como faz o recém-nascido, que, uma vez saciado, não aceita mais leite de jeito nenhum", diz Sbrissa, cuja clientela é mais de 90% feminina. Um dos seus raros pacientes homens, o engenheiro Eule Hoelz Colla, 33, diz que perder peso não era o foco de suas preocupações quando procurou a psicoterapia. "Eu queria aprender a lidar com o estresse", diz ele, que pesava 102 kg. "Durante os dois anos de terapia, cheguei a pesar 78 kg e estabilizei em 82 kg. Aprendi a não descontar o nervosismo na comida e a parar quando me sentisse satisfeito", conta. O apoio do parceiro pode ser uma ajuda psicológica valiosa. Os auditores José Armando Lins Figueira, 37, e sua mulher, Rosali Argolo Andrade, 29, perderam 48 quilos, 24 cada um, em cerca de dez meses. Foi ele que procurou o endocrinologista Márcio Mancini, porque é diabético. Ela também decidiu investir em saúde, principalmente após a morte da mãe, que estava obesa e era fumante. "O ritmo de trabalho acabou virando desculpa para comer mal. Era McDonalds no almoço, pizza no jantar, bobagens ao longo do dia. Passamos a nos alimentar a cada três horas, fazendo as refeições sempre nos mesmos horários, substituímos alimentos pouco saudáveis e começamos a fazer exercício. É incrível como a gente ganha disposição", diz Andrade. Mancini, que é presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso), diz que o primeiro passo numa consulta é identificar os problemas na rotina do paciente. "Quais são os hábitos alimentares? Come na rua, em casa, sozinho? O que come? Quem precisa perder peso deve evitar os profissionais que não ouvem o paciente e já vão tirando da gaveta uma cópia de dieta pronta. Funciona no começo, mas é impraticável a médio e longo prazo", diz. O psiquiatra Arthur Kaufman tem uma definição poética e precisa : "O melhor tratamento é aquele que fala para a alma". Texto Anterior: Capa 13.02 Próximo Texto: Como a terapia pode ajudar na perda de peso Índice |
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