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s.o.s família - rosely sayão
Tratar a criança como um igual é desrespeito a ela
Uma criança de sete anos é capaz de tomar
uma decisão ou de fazer uma escolha em
sua vida tão importante que pode interferir
em sua formação e, portanto, em seu futuro?
Nenhum adulto sensato diz que sim. Mães e
pais sabem muito bem que perguntar a uma
criança dessa idade se ela quer ou não tomar
vacina é pura perda de tempo. Em primeiro
lugar, porque muitas vacinas doem quando
aplicadas e, em segundo, porque criança tem
responsabilidade mais importante a cumprir
do que cuidar da saúde e do futuro. Isso é da
conta dos pais.
Mas há muita mãe e muito pai que perde toda a sensatez em determinadas situações. Isso acontece, por exemplo, quando casais se separam e não conseguem administrar bem os desentendimentos que tiveram início durante o
tempo em que formaram uma parceria.
Um leitor escreveu contando que tem uma
filha de sete anos que mora com a mãe e que,
no momento, estão sendo regulamentandas
as visitas a que ele tem direito. Ele enfrenta um
problema: a mãe da garota acredita que deva
ser a filha a decidir se quer ficar com o pai nos
finais de semana ou não. E o pai acha que a garota pode estar sendo manipulada, já que prefere ficar com a mãe e, portanto, abre mão de
uma convivência maior com ele.
Mas que sufoco essa garota deve estar passando! Todas as crianças que passam por situações desse tipo sofrem -de um jeito ou de
outro. São elas que pagam uma conta que é
dos pais. E isso não pode fazer bem.
Toda criança tem o direito de ter interação
com o pai sempre que possível. A relação com
o pai é importante para a criança, até porque,
assim, ela tem a chance de conviver com mais
de um estilo de amar, de cuidar e de exercer a
autoridade. Do mesmo modo, a criança tem o
direito também de, em certas horas, gostar
dessa relação e de, em outras, não achar essa
convivência muito conveniente e concluir que
não quer estar com o pai. Isso não acontece
também com as crianças que moram com o
pai e a mãe?
O vínculo afetivo que a criança tem com os
pais é mesmo ambivalente: amor e ódio se alternam e variam de intensidade. Além disso, a
criança procura se proteger e se garantir do
jeito que pode e que consegue, e, às vezes, isso
pode significar submeter-se aos pais ou a um
deles. O que isso quer dizer? Que ela ainda não
tem autonomia e independência sobre o que
sente.
Insisto sempre em que a criança tem compromisso com o seu presente e com o que
quer nesse tempo. E os pais têm compromisso
com o futuro dela e com o que faz bem a ela.
Abandonar a criança a seus próprios caprichos é uma declaração de incompetência dos
pais para exercer seu papel e um desrespeito à
criança. Tratá-la como um igual é um grande
equívoco. Ela não é igual aos pais. A educação
é que dará a ela a possibilidade de, no futuro,
ter a autonomia que os pais têm. Enquanto
são crianças, elas precisam da autoridade dos
pais como apoio.
Quando privadas dessa tutela necessária, as
consequências podem ser nocivas. Os pais que
acreditam que os filhos têm condições de decidir os rumos da vida deveriam assistir a um filme: "O Senhor das Moscas", disponível em algumas locadoras.
Bem, creio ter ficado claro que uma criança
não pode arcar com o ônus de escolher conviver ou não com um dos pais. No entanto é preciso reconhecer que alguns pais e algumas
mães não têm condições de conviver com os
filhos sem prejudicá-los. Mas não pode
-nem deve- ser a criança a julgar isso. É
preciso que pais e professores exerçam suas
responsabilidades e seus compromissos com
filhos e alunos. É assim, assumindo essa tarefa
com todos os encargos que ela supõe, que estarão colaborando para que, no futuro, elas se
tornem pessoas livres.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.
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