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Empresas modernas lançam mão de programas que oferecem de apoio psicológico à garantia de que usuário não será demitido
Como funcionários se livram das drogas
Luana Fischer/Folha Imagem
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O auxiliar de estoque T.D.R., 35, passou pelo tratamento e hoje conta sua história a outros dependentes |
ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
"Aqui não temos problema com drogas. Não precisamos de
nenhum projeto de prevenção e tratamento." Essa é a frase ouvida com bastante frequência pelos profissionais envolvidos
na implementação de programas de prevenção e combate ao uso
de drogas em empresas. Se o assunto é tabu em qualquer lugar, no
ambiente de trabalho então ele adquire proporções quase demoníacas. "O consumo de drogas é presente, vem aumentando na sociedade como um todo, e as empresas não estão fora disso", diz o psiquiatra Arthur Guerra,
presidente do Conselho do Grupo de Estudos de Álcool e Droga da Faculdade de
Medicina da USP. Mas essa realidade é
difícil de ser identificada porque, no trabalho, os efeitos das drogas, que envolvem queda na produtividade, absenteísmo e falta de motivação, muitas vezes
passam despercebidos. "Aparentemente,
aos olhos dos colegas e dos superiores, os
usuários estão com a situação sob controle", diz Guerra.
A primeira e única pesquisa sobre drogas feita no Brasil, de 2001, em que o Cebrid (Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas), da Unifesp,
entrevistou 8.589 pessoas de 107 cidades
do país, registrou a dependência de álcool em 11,2% dos entrevistados. Essa
também é a droga que mais problemas
causa dentro das empresas, seguida pelo
tabaco, pela maconha e pela cocaína, diz
Guerra.
"O grande problema é a empresa não
aceitar que o consumo de drogas existe
em qualquer setor social e que o ambiente de trabalho não está imune", reclama a
assistente social e especialista no assunto
Leda Ribeiro, que coordena o programa
cujo know-how está sendo exportado pelo Brasil para Argentina, Chile, Paraguai e
Uruguai.
Trata-se do Programa de Prevenção ao
Uso de Drogas no Trabalho e na Família
do Sesi-RS, desenvolvido em parceria
com o Escritório das Nações Unidas
Contra Drogas e Crime (Unodc). A idéia
original veio da Noruega, em 96, e foi
adaptada à realidade brasileira. Seu
maior mérito, segundo Giovanni Quaglia, do Unodc, é que o funcionário se
transforma no principal agente modificador da relação da empresa com as drogas.
Antes mesmo do médico, do assistente
social e do psicólogo, é ele quem vai, uma
vez orientado por essa equipe multidisciplinar, identificar e "educar" quem está
envolvido com drogas.
O programa prevê ainda apoio psicológico dentro ou fora da empresa, o qual
pode ser estendido para a família, garantia de que não haverá demissão do funcionário e, além disso, ninguém é forçado
a aderir ao programa.
A dependência -independentemente
da droga- não elege cargo ou função.
"De diretores a auxiliares, todos podem
ter problemas", diz o psiquiatra Ronaldo
Laranjeiras, coordenador da Unidade de
Álcool e Drogas do Proad (Programa de
Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp. Mas quem exerce cargos
gerenciais, portanto desempenha papel
de líder, tende a se esconder mais, a ficar
distante dos programas oferecidos.
"Há o medo de que a equipe comece a
desrespeitá-lo", diz Edméia de Oliveira,
psicóloga da Infraero, uma das empresas
que enfrentou casos de dependência química entre gerentes.
Na Avon, o gerente de produção Nilson
Wendland atua como um dos agentes
modificadores. Passou por um treinamento para identificar precocemente casos de dependência química. Assim, ele
observa, entre outros fatores, o rendimento dos funcionários, o índice de faltas, seu comportamento e suas reações
emocionais, por exemplo. "Se notamos
algum problema, perguntamos, de forma
sutil, como está o dia-a-dia dele no trabalho, se há algo que possamos fazer", diz
Wendland.
Isso reflete uma mudança significativa
de abordagem. Há dez anos, o assistencialismo e o tom acusatório imperavam.
Hoje, falar de drogas em empresas é mais
fácil, no caso das que incluem o assunto
nos seus programas de qualidade de vida,
explica o psiquiatra João Carlos Dias,
coordenador do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria.
"Dentro desse conceito moderno, o
funcionário assume a responsabilidade
sobre si. E os temas álcool, tabaco e drogas ilícitas entram no rol dos problemas
de saúde, dividindo espaço com programas de combate ao estresse e de prevenção ao câncer de mama, por exemplo",
diz o médico.
Para Arthur Guerra, é evidente o progresso das empresas. "Não podemos negar que há a dificuldade em aceitar o problema. Mas hoje temos exemplos que
provam que a interferência da empresa é
indispensável; e não se trata de benemerência, mas de pensar na relação custo-benefício: sai mais barato orientar e tratar
o funcionário do que demiti-lo."
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