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Rosely Sayão
Filhos: propriedade privada?
Duas notícias ligadas à
educação escolar dos
filhos chamaram
atenção nas últimas
semanas. Na primeira, foi divulgado que um casal responde
a dois processos na justiça por
praticar com os filhos o método
chamado "escola em casa", conhecido em vários países, principalmente nos EUA, mas proibido no Brasil. A segunda informou que um garoto de apenas
oito anos passou no vestibular
de um curso universitário.
Em ambos os casos, os pais
lutam pelo que consideram um
direito. Os primeiros querem
continuar com a educação escolar dos filhos em casa, já que,
do ponto de vista deles, o resultado tem sido excelente. O que
eles consideram prova disso é o
fato de os filhos de 13 e 14 anos
terem sido aprovados em exame vestibular com excelente
classificação. Os segundos lutam para que o filho possa freqüentar o curso em que foi
aprovado, situação negada pela
instituição universitária.
A primeira questão que essas
notícias levantam é sobre a função da escola. Pelo jeito, os pais
não estão muito confiantes em
delegar a essa instituição a educação dos filhos. Aliás, parece
mesmo que o trabalho da escola ficou reduzido ao ensino do
conhecimento necessário para
ser aprovado no vestibular, e alguns pais acreditam que fazem
isso melhor do que a escola.
Mas será só isso o que a escola
deve proporcionar?
A criança deve freqüentar a
escola por vários motivos. Um
deles é que ela precisa, para se
tornar um sujeito livre e autônomo, libertar-se da família. A
ligação amorosa entre pais e filhos precisa terminar em separação para ser considerada exitosa, e a escola é a instituição
que faz melhor a transição da
família para o mundo, como diz
de maneira especialmente feliz
a pensadora Hannah Arendt.
Deixar de pertencer só a um
mundo em que as relações se
originam na rede privada de
convivência e passar a integrar
um grupo maior, diverso e impessoal faz parte do aprendizado da cidadania. Respeito, justiça e solidariedade são valores
que se aprendem na escola.
Em seu livro "O Valor de
Educar", Fernando Savater
afirma: "O sistema democrático tem de se ocupar do ensino
obrigatório dos neófitos para
assegurar a continuidade e a
viabilidade de suas liberdades;
isto é, por instinto de conservação. Educamos em defesa própria. Seus pais queiram ou não?
Pois sim, queiram ou não. Os filhos não são propriedades dos
pais, nem simples objetos para
que estes satisfaçam suas veleidades, por mais amorosas que
sejam, ou realizem experiências irrestritas... A criança vai à
escola para se pôr em contato
com o saber de sua época, não
para ver confirmadas as opiniões de sua família".
A citação nos leva ao segundo
ponto que as notícias levantam:
muitos pais têm educado os filhos como se fossem sua
propriedade. Não são: eles são
os representantes de nosso futuro e dizem respeito a todos
nós. Estamos todos implicados
com fatos que levam crianças a
serem impedidas de viver a infância até o fim e com atitudes
que buscam evitar que elas enfrentem as dificuldades, os
aprendizados e as frustrações
que a vida escolar impõe.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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