São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2010
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OUTRAS IDEIAS

Anna Veronica Mautner

O chiqueirinho protetor


[...] QUANTAS VEZES TEMOS QUE DIZER "NÃO" PARA O BEBÊ? QUANTAS VEZES VAMOS CERCEAR-LHE OS MOVIMENTOS? NENHUMA

Mais uma vez, volto a falar sobre os perigos de usar o conceito de liberdade como se fosse sempre ausência de contenção. Anos atrás escrevi, neste mesmo espaço, sobre o cueiro, um recurso em desuso, mas do qual se pode lançar mão para oferecer ao bebê a sensação de limite e tamanho.
Uma suave contenção pode, ao limitar os movimentos, ajudar na formação da sensação de existir, graças à sensibilização da pele.
Muitas vezes, o homem opta por um refúgio pequeno, onde se sinta seguro, em vez de estar em campo aberto, à mercê das forças da natureza. A sobrevivência pode depender de proteção, que, às vezes, significa uma espécie de prisão voluntária: cavernas, porões, abrigos antiaéreos etc.
Agora, quero falar sobre o bebê de seis meses em diante, para o qual o berço já é pequeno e o mundo é muito grande e cheio de perigos.
Um objeto que caiu em desuso é o quadrado, aquele cercadinho que tem um chão molinho. O pequenino aí colocado enxerga o cômodo inteiro e não vai ouvir infinitas vezes as palavras "não" e "cuidado".
O jeito para evitar que a criança se machuque é isolar tomadas, evitar cantos perigosos e retirar os enfeites que ela poderia engolir, derrubar.
O mundo em que as paredes são o limite do bebê fica esteticamente empobrecido porque tudo o que é de valor é guardado, tirado do seu alcance. A casa passa a ser diferente daquela que os pais queriam para si.
É uma pena que a criança não possa conhecer os pais por meio do mundo que eles criaram para si mesmos.
Por que o quadrado foi eliminado? Porque tiraria a liberdade de locomoção pelo espaço. Em algum momento, foi visto como cárcere, quando é um espaço da criança, protegido.
A sala e o quarto são dos adultos e continuam a ser perfeitamente transparentes, vistos por meio das barras. Lá dentro, o bebê pode engatinhar, testar a relação com o espaço, se apoiar para aprender a levantar. No chão levemente acolchoado, se escorregar, ninguém se machuca.
Os brinquedos são selecionados pelos pais. Nessas condições protegidas, quantas vezes temos que dizer não para o filho pequeno? Quantas vezes vamos cercear-lhe os movimentos? Nenhuma. É o espaço dele, projetado pelo adulto.
Os pais podem manter suas atividades e o pequeno pode ver, calmamente, sem perigo, como segue a vida dos mais velhos. A criança em seu natural e o adulto também livre.
É uma outra forma de ver a liberdade, apesar das barrinhas de separação. O quadrado não deve ser de tela, pois ela impede a firmeza para agarrar, levantar, sentar; e o chão não deve ser muito acolchoado, só o suficiente para amortecer quedas.
A liberdade pode se refugiar atrás das barras protegidas; não proteger pode ser tirar a liberdade. Assim como o cueiro é parte importante da consciência de si, o quadrado pode ser onde se desenvolve livremente a autonomia.


ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

amautner@uol.com.br

Leia na próxima semana a coluna de Wilson Jacob Filho


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