São Paulo, quinta-feira, 13 de julho de 2000
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Pais dividem tarefas domésticas, mas não conseguem ainda a intimidade que as mães têm com os filhos
Homens aproveitam pouco a paternidade

Adriana Elias/Folha Imagem
Para o industrial Roberto Shioppa, 44, que só a vê a filha Roberta, 12, à noite, o principal problema da sobrecarga de trabalho é a falta de tempo para ele mesmo


DANIELA FALCÃO EDITORA
ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

O analista de sistemas Sérgio Beckel, 46, leva e busca os três filhos na escola todos os dias. Almoça em casa e chega para jantar no mesmo horário que a mulher, Gilcia, que também trabalha em horário integral. Mas, enquanto ela não pensa duas vezes na hora de responder que churrasco é a comida predileta do caçula Gabriel, 11, Beckel pisa na bola e afirma que a manjada combinação de arroz, feijão e frango é o que faz o garoto raspar o prato. Como Beckel, milhares de homens que até dividem com as mulheres as tarefas domésticas escorregam na hora de mostrar o quanto conhecem os filhos.
"Ele ajuda com os meninos e é um pai participativo. Mas não presta atenção no cotidiano deles. Outro dia, queria mandar do trabalho um e-mail para os três, mas não sabia o endereço. Resultado: teve de enviar para o meu computador para que eu encaminhasse para os meninos", conta Gilcia.
Questionado pela reportagem se já havia levado Gabriel para conhecer seu trabalho, Beckel provou que não presta mesmo muita atenção no tempo que passa com os filhos: "Já levei ele alguma vez, Gilcia?", perguntou à mulher, que lembrou na hora que o caçula já havia estado duas vezes na Petrobras, onde Beckel trabalha.
Pesquisas desenvolvidas nos EUA, onde desde 1990 pipocam associações de incentivo à participação paterna, mostram que crianças criadas com pais presentes são mais ambiciosas, confiantes e menos influenciáveis pelos amigos, além de se saírem melhor na escola. Numa das mais recentes, feita pelo Departamento de Educação em 97, foi constatado que crianças com pais participativos recebem mais notas A do que as outras.
"Filhos precisam tanto do pai quanto da mãe. Elas tendem a ser mais verbais com as crianças, e os pais, mais físicos. As brincadeiras meio grosseiras dos pais ajudam a criança, sobretudo os meninos, a controlar seus impulsos agressivos. É a combinação da tendência paterna de desafiar o filho com o impulso de aconchego da mãe que gera uma criança feliz", afirmou à Folha Wade Horn, psicólogo infantil norte-americano, criador da National Fatherhood Initiative, organização que desde 95 se dedicada a estimular a paternidade responsável.
Há várias razões que explicam em parte a dificuldade de pais em se envolver com a vida cotidiana dos filhos. "Há um estereótipo social de que cabe à mãe cuidar da casa e das crianças, de que o pai não não é essencial ao desenvolvimento. Como a maioria dos estereótipos, isso é uma grande besteira", diz Alphonso Rincón, diretor do Center for Successful Fathering, no Texas (EUA). Além do privilégio da gestação, a mãe reforça o vínculo com o bebê nos quatro meses de licença-maternidade. Já o pai tem apenas cinco dias para lamber a cria. Mas a desvantagem pode ser superada se o pai assumir parte dos cuidados com o recém-nascido. "Aos 3 meses, o bebê já identifica a voz e o cheiro do pai, que tem a chance de correr atrás do prejuízo. Mas a maioria só começa a se relacionar mais intensamente com a criança depois que ela anda e fala", diz Rincón. Foi o que aconteceu com o industrial paulistano Roberto Shioppa, 44, pai de Roberta, 12, e Mário, 15. "Por mim, as crianças teriam nascido com 3 anos", diz. Para o psicanalista carioca José Inácio Parente, 58, mesmo os homens mais jovens sofrem influência do mito "pai de família" e, por isso, têm dificuldades em se relacionar intimamente com os filhos. "Até pouco tempo, o pai não era considerado pai dos filhos. Era o pai da família, encarregado de dar condições à mãe de cuidar das crianças. Hoje, a mulher divide o sustento da casa, mas o homem não quebrou a barreira e ainda precisa da mãe como intermediária no relacionamento com os filhos." Não são apenas fatores sociais que explicam a dificuldade do pai em manter com os filhos um relacionamento íntimo. Embora homens e mulheres nasçam com a mesma capacidade de se ater a detalhes, como o nome dos melhores amigos dos filhos ou seus pratos prediletos, essa característica é deixada de lado ao longo da formação da identidade psíquica masculina. "Ele adquire uma espécie de arrogância para construir a imagem máscula e passa a considerar os detalhes cotidianos pouco importantes. É uma arrogância tola porque não há nada de incoerente em ser forte e, ao mesmo tempo, conseguir valorizar o detalhe e o aconchego", argumenta o psicanalista argentino Alfredo Jerusalinsky, professor de pós-graduação da USP. Além disso tudo, a mulher termina contribuindo involuntariamente para manter o pai afastado da rotina das crianças. "As mães sentem que o território da intimidade e dos cuidados cotidianos é delas. Apesar de reclamarem que a falta de participação dos homens as sobrecarrega, elas têm uma dificuldade enorme em abrir mão desse espaço", diz Rincón.

Falta de tempo
Excesso de trabalho, o estresse urbano e a TV viraram bode expiatório para os pais. Roberto Shioppa culpa a vida estressante de São Paulo e a televisão por desconhecer detalhes da vida de Roberta. "Se eu morasse numa cidade menos agitada, teria mais tempo de conhecer a vida de meus filhos", diz Shioppa, que também não se importa demais com a questão. "Gostaria de ter mais tempo para a família, mas sinto falta mesmo é de tempo para cuidar de mim."
Para os especialistas, ainda mais grave do que não saber a comida que o filho detesta é o pai priorizar apenas o trabalho. "Um pai pode até não saber de cabeça quanto calça o filho, mas o que realmente causa um distanciamento que será lamentado mais tarde é não colocá-los como prioridade", diz Jerusalinsky. Os danos só serão sentidos a longo prazo, na aposentadoria, quando o que era importante para ele deixa de existir e o pai percebe que o vínculo com os filhos é frágil e perene.



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