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Saúde
Já vi essa cena...
Sensação de déjà vu, que afeta dois terços da população, pode sinalizar de desatenção a epilepsia
Rafael Andrade/Folha Imagem
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A professora Ana Paula Morier, que descobriu ter epilepsia
FLÁVIA MARTIN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Bug cerebral, premonição ou mera coincidência. O déjà vu (em
francês, "já visto")
costuma ser descrito dessas
três formas, entre outras definições mais "esotéricas".
Especialistas no assunto não
sabem por que ele ocorre, mas
estudos mostram que, quando
a sensação de familiaridade
com situações, lugares ou pessoas desconhecidas é frequente
e intensa, ela pode ser um dos
sintomas da epilepsia na área
do cérebro responsável pela
memória.
É nessa região, a do lobo temporal, que ficam estruturas como o hipocampo e a amígdala,
que codificam e dão a conotação emocional às informações
que recebemos, diz o neurologista Wagner Teixeira, coordenador do Programa de Cirurgia
de Epilepsia do Hospital de Base, em Brasília, e presidente da
Liga Brasileira de Epilepsia.
Teixeira conta que testes
com estímulos elétricos (pequenos choques) na região do
lobo temporal de pacientes
com esse tipo de epilepsia já
conseguiram reproduzir o déjà
vu, o que confirma a ligação entre a doença e o fenômeno.
Segundo o neurocientista
Gilberto Xavier, do Laboratório
de Neurociências e Comportamento da USP (Universidade
de São Paulo), os pacientes relatam que o déjà vu faz parte de
um conjunto de sensações chamado aura, que funciona como
uma antecipação das crises e
convulsões. "Pelo fato de já ter
tido alguns ataques, a pessoa
reconhece os sinais que indicam as crises", diz Xavier.
Foi o que aconteceu com a
professora de inglês Ana Paula
Morier, 41. Há quatro anos,
seus déjà vus foram ficando cada vez mais intensos e sempre
ocorriam imediatamente antes
de ela se sentir "fora do ar", devido às chamadas crises de ausência -um tipo de epilepsia
em que as crises convulsivas
são mais raras.
"A sensação era a de que eu já
havia sonhado com aquilo. Depois, ficava uns 30 segundos ou
até um minuto fora do ar. Meu
marido e minha mãe diziam
que eu ficava parada, com o
olhar fixo e a cabeça balançando para a frente e para trás. Depois não me lembrava de nada",
conta Ana Paula, que teve crises na sala de aula.
Fenômeno mundial
Segundo o psicólogo Alan
Brown, professor da Universidade Southern Methodist, nos
Estados Unidos, e autor do livro "The Déjà Vu Experience"
(a experiência do déjà vu), dois
terços da população mundial
relatam ter tido ao menos um
déjà vu na vida.
Isso não significa, no entanto, que todo esse contingente
apresente epilepsia.
De acordo com o neurologista Li Li Min, da Faculdade de
Ciências Médicas da Unicamp
(Universidade Estadual de
Campinas), de 1% a 2% da população mundial sofrem de algum tipo de epilepsia. Ela se divide entre as focais -que começam em determinado setor do
crânio- e as generalizadas
-que atingem os dois hemisférios do cérebro.
Min diz que a epilepsia do lobo temporal se enquadra no
primeiro grupo da doença (e,
geralmente, no lado direito do
cérebro, o que não domina processos de linguagem) e corresponde a 80% do total das epilepsias focais.
Ele, no entanto, faz a ressalva: o déjà vu também pode ser
mera desatenção ou uma alteração pontual do metabolismo
(leia quadro na página ao lado).
Ana Paula Morier buscou
tratamento no ano passado, depois de quase provocar um acidente de carro. Ela acabara de
dar a partida e estava em velocidade baixa quando veio o déjà
vu e logo depois a crise de ausência. Ana Paula não se machucou, já que o marido, do
banco ao lado, assumiu o volante e desviou do poste.
Três médicos e alguns diagnósticos equivocados mais tarde, ela fez um eletroencefalograma (exame que mapeia a atividade elétrica do cérebro), que
acusou baixa atividade no lobo
temporal.
Imprecisão
Os especialistas ainda não sabem como exatamente ocorre a
sensação do déjà vu em pessoas
não epilépticas. Para a que
ocorre em pessoas com a doença, no entanto, existem algumas hipóteses, como a batizada
pelo psicólogo Alan Brown de
"duplo processamento".
A analogia a que se recorre
nessa hipótese é a do funcionamento da fita cassete com duas
cabeças, uma responsável pelo
registro e a outra, pela reprodução. O mesmo se daria com a
memória. O déjà vu ocorreria
quando o cérebro começasse a
reproduzir uma informação recém-registrada, o que apareceria como uma memória.
Gilberto Xavier explica: "O
sistema nervoso está constantemente comparando a memória às expectativas do que deve
acontecer no ambiente. Se a
pessoa tem focos epilépticos, é
como se houvesse uma má sincronia entre a decodificação
dessas informações".
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