São Paulo, quinta-feira, 14 de junho de 2007
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Saiba quem é Dharma Mittra, 68, que trocou Pirapora por Nova York e abriu uma escola que se tornou centro turístico

Fernando Donasci/Folha Imagem
O iogue em Manhattan, onde mora


AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

O mineiro Carlos Vargas, 68, costuma ter uma rotina simples. Caseiro, gosta de acordar cedo e passa grande parte do dia diante do computador, respondendo e-mails. Geralmente só sai de casa para pagar contas, comprar comida, nadar no clube... e trabalhar -e é nesse quesito que ele se tornou uma celebridade.
Seu estúdio de ioga, na Terceira Avenida, em Manhattan, Nova York, tornou-se um ponto turístico, atrai alunos famosos, ajudou a espalhar seu método por outros países e lhe rendeu o apelido de "professor dos professores".
Mas não é como Carlos que ele ficou conhecido, e sim como Dharma Mittra -Dharma quer dizer ordem, tendência, fazer tudo certo; Mittra significa amigo, diz ele. O nome lhe foi dado por seu guru, o indiano Swami Kalaishananda (também conhecido como Yogi Gupta), um dos primeiros a levar a ioga para os EUA, e marcou sua entrada para a "família espiritual" do mestre.
Foi atrás dele que Carlos se mudou para o país, em 1964. Com 25 anos, sem falar inglês, ele deixou para trás a família e um emprego na Força Aérea Brasileira. Seu irmão, Heráclito, já estava então havia dois anos nos EUA. "Ele me escreveu e disse: Carlos, eu encontrei o mestre aqui. Dei a baixa na Força Aérea e vim", disse Dharma à Folha por telefone -atualmente já com um forte sotaque norte-americano e até uma certa dificuldade para se lembrar de algumas palavras em português. A determinada altura da entrevista, ele pede: "Posso falar em inglês?"

Início
O interesse por ioga surgiu na adolescência, em Pirapora, cidade média de Minas Gerais, banhada pelo rio São Francisco -no qual Dharma, ainda menino, quase morreu afogado, arrastado por uma corrente.
Aos 14 anos, ele leu pela primeira vez livros sobre reencarnação e carma. "Fiquei fascinado com essas idéias", lembra. "Eu amava a minha mãe como o diabo, era a melhor coisa que tinha. E eu sempre a via já morta. Isso tudo era, para mim, uma escuridão danada. Tinha essas perguntas constantemente: O que é eterno? Por que tudo morre? Por que a gente sofre? Quando abri o livro de ioga, tomei um susto. Pensei:
Ei, me encontrei. Agora tenho que encontrar um mestre." No Brasil, era difícil: os poucos professores de ioga que existiam na época estavam concentrados no Rio de Janeiro. Enquanto isso, Dharma estudava ioga por conta própria. Foi quando Heráclito o chamou para ir aos EUA, conhecer Swami Kalaishananda.
"Sempre falam que, quando você está pronto, o mestre aparece. Isso foi verdade. Desde então a minha vida inteira é dedicada para a ioga, para a auto-realização. Minha função é iluminar os outros", acredita.

Abandono
Três anos após chegar aos EUA, o antigo medo se concretizou: sua mãe, Delba, morreu. Seu pai também. Já praticante de ioga, Dharma conta que não sentiu tanta dor. "Antes daquilo eu já tinha compreendido a reencarnação e a lei do carma. Eu sabia que ela não estava morrendo. Estava somente trocando o corpo. Se eu começar a pensar muito, começo a chorar. Mas, se eu me lembrar da realidade, ela tem seu carma e também tem de morrer. Naquela hora, ninguém no mundo poderá trocar de lugar com ela. Se eu sofrer, serão duas pessoas sofrendo."
Na época, Dharma morava num "ashram" -um tipo de "mosteiro" iogue. Ao entrarem lá, os discípulos precisam renunciar ao mundo exterior, incluindo a família. "É necessário renunciar ao mundo para a auto-realização, só praticar ioga. Abandonar não quer dizer parar de amar. Amamos, mas todo o tempo é dedicado à parte espiritual", afirma.
Um de seus prazeres, o cigarro, ele conseguiu largar com certa facilidade. Já a mudança de hábitos alimentares foi mais difícil. Por um único motivo, conta Dharma: comer era a única coisa boa permitida. "Foi um inferno", relata. "Mas eu sabia que o bom viria depois."
O "bom" a que se refere era o que chama de auto-realização -experiência que Dharma associou, em seu livro "Asanas - 608 Yoga Postures", a um orgasmo, uma torrente de pura energia. Com a purificação da mente, conta, começa-se a ver o mundo de outra maneira. E tenta explicar: "Tudo que tem forma e nome não é verdadeiro, apenas pertence à mente. Na profunda meditação, vamos adiante da mente. Constatamos que não temos formas, não temos nomes. Quando compreendi isso, minha mente parou de se preocupar. Não tenho mais medo da morte, de acidentes... O ser verdadeiro é eterno, sem forma e sem nome".
Em 1975, Dharma saiu do "ashram" de Yogi Gupta. Começou a dar aulas em sua própria escola, a Yoga Asana Center.

Pôster
O que diferencia a trajetória de Dharma da de tantos outros iogues é a famosa seqüência de fotografias representando posturas de ioga que ele tirou para presentear Yogi Gupta, na década de 80.
Para montar o pôster, com 908 imagens, ele comprou todos os livros que encontrou sobre o assunto nas livrarias de Nova York, uma máquina fotográfica Nikon e uma câmera de vídeo -"que custou US$ 2.000 e era uma porcaria".
No monitor da câmera, ele acompanhava os próprios movimentos até atingir a postura certa, alinhada. Quando acertava, apertava o controle remoto e tinha quatro segundos para jogá-lo longe antes de a máquina fotográfica disparar.
Foram 1.300 fotos. Dharma recortava cada uma com uma tesoura e, com alfinetes, pregava-as num cartão, buscando uma seqüência adequada. Após dois meses, com as fotos em seus devidos lugares, começou a pesquisa para pôr o nome certo de cada "asana" (postura), o que levou mais duas semanas.
Findo o trabalho, ele mandou imprimir 5.000 cópias, a 80 centavos de dólar cada uma. Deu a maioria dos pôsteres de graça e vendeu alguns por dez ou 20 centavos. A idéia era divulgar a peça na maioria de lugares possíveis, na expectativa de que ela viesse a fazer sucesso.
E fez. Hoje, o mesmo pôster custa até 55 dólares (1,5 m x 1 m, laminado), na lojinha de produtos de Dharma Mittra. E a popularização da peça gerou curiosidade em torno do iogue nas fotos. Há cinco anos, o reconhecimento aumentou: ele trocou o nome do estúdio para Dharma Yoga Center -"para tornar mais compreensível e atrativo"- e contratou os primeiros instrutores.
Até então, apenas ele e a mulher, a norte-americana Eva -considerada a "gerente" dos projetos envolvendo Dharma-, davam as aulas na escola. Mas essa rotina ficou difícil com as viagens quase semanais do iogue para ministrar palestras.
Seu nome virou sinônimo de um tipo de aula -em oito outros Estados norte-americanos são oferecidas "aulas Dharma Mittra". Seu método também foi adotado em centros de ioga na Espanha e na Turquia. Para o mexicano Siddartha Om, que ensina o método em Washington, o bom da ioga de Dharma é precisamente o fato de ela "não ser a ioga de Dharma". "É a ioga clássica, que tem sido realizada há muito tempo, que não pertence a ninguém, sem truques, sem grife. É algo ao mesmo tempo revolucionário e paradoxal. Um ensinamento altamente conservador que vai contra o que se vê no mundo real: zero de ambição, zero de realização, zero de finalização. Dharma deixa os séculos de ioga falarem atrás dele, sem se colocar no caminho, sem exigir a invenção de nada."
Entre os alunos que chegam a seu estúdio, quase 20% são turistas, estima. Mas Dharma não se importa com a rapidez desses encontros, já que eles podem render uma curiosidade e um aprofundamento posterior na prática.
A popularização da ioga ao longo das últimas décadas também não o preocupa. "Muita gente ensina ioga somente para fazer dinheiro e se esquece da parte mais importante, que são a meditação e os mandamentos da ioga. Existem muitas iogas que não são muito honestas. Mas tudo é perfeito, porque tem estudantes de todos os tipos, e eles precisam de todos os tipos de professor de ioga." E, de qualquer forma, ele vê pontos positivos no simples fato de alguém fazer ioga: "As pessoas se tornam mais saudáveis, adotam dietas vegetarianas e se concentram mais na realidade, procurando a auto-realização".

Fama
Apesar do sucesso que alcançou, Dharma diz não valorizar a fama. E, como qualquer celebridade, reclama de ser "espiado" demais. Eva, sua mulher, opta pela discrição: apesar de intermediar entrevistas com Dharma, prefere não falar sobre a vida pessoal de ambos.
Quanto a dinheiro, o iogue diz que não ficou rico. Mora há dez anos no mesmo apartamento, tão pequeno "que nem dá para caminhar direito", brinca. São dois quartos -um é do filho de 17 anos e o outro, da filha caçula, que tem 15 anos.
Os jovens, aliás, não praticam ioga. Mas seguem a dieta vegetariana e não a vegana -por causa da exceção à pizza com mussarela. "É por isso que, às vezes, ficam resfriados", diz Dharma Mittra, que segue uma alimentação vegana, em que não entra nenhum componente de origem animal.
É à alimentação, aliás, que ele atribui sua boa saúde. Desde que começou a praticar ioga, nos EUA, afirma que não foi ao médico. Ao deixar o Brasil, tinha esquistossomose (doença também conhecida como barriga-d'água). "Quase morri. Estava amarelo, quase no osso. Troquei minha dieta completamente, comendo somente vegetais crus nos primeiros três anos, fazendo ioga, tomando uns chás e seguindo os mandamentos do meu mestre."
Como os filhos ocuparam os quartos, ele dorme no chão, sobre uma manta -em média, três horas por noite.
Ao acordar, costuma fazer umas três posturas de ioga, especialmente a "sirsasana" -em que fica apoiado no chão apenas pelo topo da cabeça. Dentro de três anos, quando os filhos terminarem o colégio, Dharma planeja voltar a morar no Brasil. Pelo menos por seis meses durante o ano. Entre as opções, estão Belo Horizonte, Florianópolis e São Paulo.
Pirapora ele já visitou, mas não pensa em voltar a morar lá. O rio São Francisco, diz, não é mais o mesmo. Sem falar nos mosquitos que o atacaram na última visita à cidade. Enquanto isso, ele vem ao país principalmente para dar palestras, como a que ocorreu no último mês em
São Paulo, no estúdio Yoga Flow. "Ele está além da moda, é muito mais clássico", afirma o dono da escola, o norte-americano Charles Barnett -ex-analista financeiro que começou a praticar ioga para relaxar. "O que me impressionou em Dharma Mittra é que ele conta piadas, brinca bastante. Mostra que a ioga não precisa ser uma coisa tão séria, tão rígida. Pode ser uma forma de liberdade, de mostrar alegria e brincar."
Quando está em Nova York, Dharma dedica horas a refazer o pôster que o tornou famoso. Adicionou novas posturas e mudou o nome de outras, que estavam errados na primeira versão. Agora, porém, conta com os avanços tecnológicos a seu favor. "Adoro o Photoshop."

[...] Seu estúdio de ioga tornou-se um ponto turístico e atrai alunos famosos

[...] O que diferencia a trajetória de Dharma é a famosa seqüência de fotografias com posturas de ioga que ele tirou na década de 80



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