São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2008
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NEUROCIÊNCIA

Suzana Herculano-Houzel



A mágica do cinema em 3D

Como a crítica dizia que o filme era bobinho, mas a sessão em 3D valia a pena, levei as crianças para ver "Viagem ao Centro da Terra". Habituadas aos óculos chinfrins de lentes azuis e vermelhas que acompanham alguns DVDs, elas não se animaram com a idéia -uma oposição felizmente resolvida com sacos gigantes de pipoca no colo. O que se seguiu foram, para as crianças, 90 minutos de risos, sustos e gritos de êxtase enquanto tentavam alcançar pássaros e outros objetos que saíam da tela -e, para mim, uma bela aula prática sobre como podemos ser enganados, com resultados sensacionais, pelo próprio cérebro.
A enganação é possível porque temos um só córtex visual no cérebro, habituado a combinar as imagens diferentes dos dois olhos, cada uma registrada de um ponto de vista. Apenas o que está no foco do olhar produz imagens idênticas sobre as retinas; tudo o que está mais perto, ou mais longe, do ponto de foco deixa imagens diferentes. Você pode se convencer disso se apontar agora para um objeto distante, na parede, e então, ainda com o dedo esticado e olhando para o objeto, comparar as imagens que enxerga com cada um dos olhos. Essa diferença entre as imagens é a informação que o córtex visual usa para construir a noção de profundidade e relevo do que enxergamos. Assim conseguimos alcançar objetos sobre a mesa (e a comida no prato) com um único movimento certeiro e até estacionar o carro.
No cinema tradicional, a profundidade dos objetos precisa ser inferida pelo seu tamanho e foco, já que uma única imagem é captada pela lente da câmera, depois projetada sobre a tela e dali para nossos olhos. O cinema 3D, por outro lado, é feito com duas câmeras, cujas lentes são separadas por mais ou menos a mesma distância que separa nossos olhos. As duas imagens são projetadas simultaneamente sobre a tela, cada uma com luz polarizada em uma direção, e óculos de lentes também polarizadas (bacanas e reutilizáveis, nada de papelão barato) garantem que cada um dos olhos enxergue apenas uma das imagens -como se estivéssemos no set de filmagem, com os dois olhos no lugar da câmera. Essa parte da mágica fica por conta da indústria cinematográfica; o resto é inteirinho por conta do cérebro.
Recomendei o filme aos amigos com o entusiasmo de quem acaba de sair de uma ótima atração da Disneylândia. Fazia muito tempo que eu não me divertia assim. Minha alma arrasada pelo Batman ficou aliviada...


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (www.cerebronosso.bio.br)

suzanahh@folhasp.com.br


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