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s.o.s. família rosely sayão
Educação moral baseada no "sou mais eu"
A coluna em que o assunto foi a educação
moral dos filhos (edição de 31/10) provocou uma reação enorme dos leitores. Muitos
pais pediram a volta da disciplina que era chamada educação moral e cívica no currículo escolar. Caros pais: a ética é um assunto que deve ser contemplado pelas escolas -e isso já
está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais- como um tema transversal, ou seja,
que deve ser abordado por todas as áreas do
conhecimento. Não é preciso mais nada: basta
aplicar a sugestão que já existe. Mas, para tanto, os professores precisam de formação.
Aliás, essa é uma excelente questão para ajudar os pais a avaliar melhor as escolas na hora
da escolha de uma delas para matricular o filho: ela oferece formação regular e continuada
para seus professores?
Vou retomar o assunto sobre a educação ética e moral das crianças e dos adolescentes e,
para tanto, usar a correspondência de um leitor, pai de um garoto de quatro anos, que me
foi enviada bem antes daquela conversa.
Transcrevo, pois ela é bem interessante: "Para
matricular meu filho, fui visitar uma escola,
que é fantástica: tem uma infra-estrutura muito boa e uma proposta interessante. Infelizmente, não o matriculei por causa do horário,
mas essa é a escola que irei -ou iria- colocar
meu filho na primeira série. Mas um dia, enquanto esperava na fila do caixa do supermercado, vejo a diretora dessa escola. Observei
suas atitudes: a lista de compras ela amassou e
jogou num canto e comia uvas que estavam
em uma cestinha. Comeu várias e não pagou!
Esse tipo de atitude me deixou frustrado e encucado: uma pessoa que lida com educação
tem de ter postura de educador 24 horas por
dia?".
A reflexão desse pai é pertinente. Afinal, se
queremos que as crianças e os adolescentes
construam um patrimônio ético que os ajude
a conviver melhor e também a se responsabilizarem pelos rumos da sociedade em que vivemos, devemos agir de modo consistente.
Se exigimos apenas deles que acatem os valores coletivos, mas não fazemos o mesmo,
acabamos por adotar uma atitude cínica que,
de modo algum, combina com a postura de
um adulto educador. Além disso, por que eles
iriam aceitar nossa orientação se não praticamos o que exigimos deles? Que autoridade
moral tem um adulto agindo assim? E isso
sem falar no que insisto sempre: filhos aprendem muito mais com o que observam dos pais
do que com o que ouvem deles.
A questão é que hoje a noção de coletivo perde longe para a noção de individual e, por isso,
muitos adultos agem movidos pelo interesse
pessoal, mesmo que isso signifique o maior
desleixo e descaso com as regras de convivência, para não se sentir um idiota que é passado
para trás por conta de um sentimento romântico de cidadania.
Não sei se os leitores tiveram a sorte de assistir a um quadro apresentado algumas vezes
por Regina Casé, no "Fantástico", em que ela
apontou, em situações diversas, como os adultos têm usado de forma privatizada o espaço
que é público. Eu assisti a ele em duas oportunidades e, em uma delas, Regina conversou
com motoristas que voltavam para casa após
um fim de semana fora dirigindo os carros pelo acostamento. Entrevistados, vários disseram reconhecer que isso não era correto para
com os outros, que enfrentavam bravamente
o trânsito lento nas pistas, mas que, assim que
viam alguém furar a fila pelo acostamento,
sentiam-se trouxas e eram levados a fazer o
mesmo. E é exatamente essa a lição que passamos às crianças e aos adolescentes: "Na teoria,
sou um bom cidadão, mas, na prática, eu sou
mais eu".
Não são apenas os pais e professores que devem ter postura de educador 24 horas por dia.
O que devemos nos perguntar é o que temos
mostrado a eles e o que temos exigido e esperado deles. Afinal, se nossa prática de vida não
é consistente com o que queremos ensinar a
eles, que motivos eles têm para ouvir nossos
discursos?
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-
mail: roselys@uol.com.br
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