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Outras idéias - Wilson Jacob Filho
Compulsória
Meu professor foi
aposentado. Ao
completar 70
anos, em plena
forma física e intelectual, foi
obrigado a se retirar do cargo
de professor titular da Faculdade de Medicina da USP.
Não me proponho, em tão
pouco espaço, a dimensionar
adequadamente o anacronismo dessa determinação. É inconcebível que comemoremos
mais uma constatação do aumento da expectativa média de
vida do brasileiro, chegando
aos 72 anos, e ainda permaneçamos presos a critérios etários
para definir o limite da capacidade funcional.
Prefiro relatar o que vi e senti
naquela data. Durante a cerimônia que marcou sua despedida, o professor mostrou toda
a sua versatilidade de grande líder. Ouviu as palavras de representantes de todos os segmentos com que conviveu nessa
longa trajetória -todos insistiram em lhe mostrar o quanto se
sentiam impregnados por esse
fértil período de convivência.
Quando tive, de forma inesperada, o privilégio de lhe dizer
espontaneamente o que sentia
naquele momento, pude perceber com maior intensidade a
gama de emoções expressas no
semblante daqueles que lá estavam. Mais que isso, pude encontrar uma vez mais o olhar
generoso de quem entendia
perfeitamente o que ali era feito em sua homenagem.
Ao tomar a palavra, o professor fez dela o que queria. Serenamente, mostrou a que viera.
Deu-nos a exata sensação de
quem permanecia ciente de
que a vida flui e que, para isso, é
fundamental saber evoluir. Falou-nos do passado, do seu e
dos nossos. Delineou portas para o futuro e nos legou uma coletânea dos seus pensamentos.
Em nenhum momento, manifestou-se como um aposentado, no sentido melancólico com
que o termo costuma ser usado.
Fez-nos seguros de que ali se
iniciava um novo capítulo do
seu infindável romance.
Deu-nos mais uma lição. Falou-nos da vida da maneira que
só os que viveram muito e intensamente podem falar. Confessou que, há muito tempo,
quando convidado a pensar no
que faria após a aposentadoria,
respondeu simples e profundamente: viver.
Com isso, ele nos propôs, sutilmente, que as vidas são múltiplas e se sucedem de forma
encadeada, desde que a vontade de viver permaneça fortalecida. Saí da Faculdade de Medicina da USP acompanhado de
muitas e intensas emoções. As
horas que se seguiram foram de
muita reflexão sobre as inúmeras possibilidades que temos
para encaminhar as nossas vidas enquanto vivemos.
Apenas a sabedoria adquirida no transcorrer de uma intensa sucessão de experimentos pode se converter em um
patrimônio capaz de transformar uma vida longa em uma
profícua longevidade. Para nós,
que desfrutaremos menos da
sua convivência, fica a segurança das lições aprendidas. Para o
professor György, que sempre
foi Böhm, a certeza de que, daqui em diante, será ótimo.
WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade
de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de
"Atividade Física e Envelhecimento Saudável"
(ed. Atheneu)
wiljac@usp.br
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