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CRIANÇA HIPERATIVA
Se não for diagnosticada nem tratada adequadamente, a doença
vira tormento para a criança e para quem vive em torno dela
Hiperatividade confunde pai, professor e médico
Patrícia Santos/Folha Imagem
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A hiperatividade faz o paulistano Giovanni Leonardi Cabral, 2 anos e 10 meses, trocar de brinquedos a cada cinco minutos
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DANIELA FALCÃO - EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
Quem observa o paulistano Giovanni Leonardi Cabral sentado em meio à pilha de brinquedos no apartamento em que mora com a mãe não vê nada de diferente. Como muitos garotos de 2 anos, ele é agitado, não pára quieto e troca de brinquedos num piscar de olhos. Mas, como 4% das crianças brasileiras, Giovanni é portador do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (o TDAH), distúrbio neuroquímico que confunde professores, pais, psicólogos e até médicos.
Além de não conseguir fixar a atenção em
uma atividade por mais do que alguns minutos, os hiperativos sobem em móveis, deixam
cair copos, falam compulsivamente, vivem
perdendo material escolar e não suportam
bem frustrações. "Com 1 ano, meu filho já escalava árvores com uma destreza incrível.
Quando ele estava sendo alfabetizado, ficou
impulsivo e brigava muito", conta a publicitária M.E.F., mãe de um garoto hiperativo de 13
anos que prefere não se identificar para preservar o filho (leia depoimento ao lado).
Mas nem toda criança que tem "fogo no rabo" deve ser rotulada de hiperativa. A agitação
pode ser resultado de problemas comportamentais. "Crianças reagem com agitação e impulsividade à sensação de inadequação na escola ou a mudanças repentinas de vida, como
divórcio e crise financeira na família", explica
Mauro Muszkat, neuropediatra da Unifesp.
Ou ainda a agitação exacerbada pode ser
manifestação de outras doenças graves, cujos
sintomas são semelhantes aos da hiperatividade, como autismo, hipertireoidismo e até depressão infantil (leia quadro abaixo).
O diagnóstico correto só é conseguido após
criterioso exame clínico, já que não existe exame laboratorial que comprove a hiperatividade. E a consequência disso é desastrosa: frequentes erros de diagnóstico.
"A maioria dos nossos alunos são falsos hiperativos. Crianças que não se adaptam ao esquema rígido das escolas tradicionais e, por isso, se comportam como hiperativos, mesmo
sem ter disfunção bioquímica. Costumo dizer
que eles são hiperativos construídos pela história", conta a psicóloga Nívea Maria Fabrício,
diretora psicopedagógica do Colégio Graphein, única escola especializada no ensino de
crianças hiperativas e com transtornos de
aprendizagem de São Paulo.
Para o psiquiatra infantil Ênio Roberto de
Carvalho, coordenador do Ambulatório de
Hiperatividade do Hospital das Clínicas, há
um boom fabricado de casos. "A hiperatividade virou modismo. Qualquer sinal de conduta
fora do normal, hoje, é rotulado como hiperatividade porque a doença está na ponta da língua de todo mundo."
Desde que o ambulatório foi criado, em janeiro de 99, dois novos casos são diagnosticados a cada semana, a maioria em meninos.
"Mas o número de garotos que nos procuram
e que não são hiperativos de verdade é muito
maior", diz Carvalho.
Como o limite que separa a criança irrequieta e criativa da hiperativa é sutil, é preciso muito cuidado na hora de diagnosticar o transtorno. "Se o profissional fizer uma análise apressada, vai rotular toda criança de hiperativa",
adverte Mauro Muszkat.
O fato de as escolas estarem alfabetizando
cada vez mais cedo é apontado pelos especialistas como um dos responsáveis pelo aumento de diagnósticos equivocados. "Muita criança não está preparada para ser alfabetizada aos
5 anos. Ela tem dificuldade de ficar sentada e
de se concentrar em uma atividade por mais
de meia hora. Ao ser obrigada a isso, reage
com hiperatividade", afirma Muszkat.
A falta de flexibilidade de algumas escolas
em lidar com alunos irrequietos, mas sem disfunção bioquímica, também cria falsos hiperativos. "Talvez haja diagnósticos em excesso
porque o sistema de ensino não se adapta aos
alunos diferentes. Para a escola, é mais fácil tachar a criança irrequieta de hiperativa do que
admitir que sua metodologia não está servindo àquele aluno", diz Carvalho.
A competição e a pressão por bom desempenho desde as primeiras séries também inflacionam os diagnósticos de hiperatividade.
"Nem toda criança se adapta ao esquema
competitivo das escolas, ela fica incomodada,
se sente fora do padrão. Há escola que coloca
as notas dos alunos até na Internet. A hiperatividade termina sendo uma reação saudável,
um jeito de a criança dizer que não quer continuar ali", afirma o psiquiatra Ênio Carvalho.
Angustiados com o mau desempenho do filho, os pais encontram na hiperatividade a
justificativa para o insucesso escolar. "Já fui
pressionado por um casal a medicar o filho
porque ele não tinha o desempenho escolar
que os pais esperavam. Quando disse que a
criança não era hiperativa e que, por isso, não
poderia medicá-la, o casal não voltou mais ao
consultório", conta Carvalho.
A falta de espaço em grandes centros urbanos também contribui para a confusão. "Há
mais barreiras físicas hoje do que há 30 anos, e
a criança que não consegue ficar quieta se torna mais visível", completa Carvalho.
Para evitar erros de diagnóstico, além de
constatar se a criança apresenta os sintomas
da TDAH por pelo menos seis meses, o médico deve avaliar se os sintomas apareceram antes dos 7 anos e se persistem em vários ambientes -em casa e na escola, por exemplo.
"Uma criança que até os 8 era tranquila não vira hiperativa aos 9. Mas pode estar reagindo
com hiperatividade a uma situação que a esteja incomodando", diz Muszkat.
As crianças de fato hiperativas dão os primeiros sinais antes de completar 1 ano. A promotora de eventos Angélica Malateaux, 25,
percebeu algo de errado com Giovanni quando o bebê completou 5 meses. "Além de muito
agitado, não respondia a pedidos de tchau e
beijinhos. A pediatra disse que não havia problema, que os pais é que querem bebês supergênios." Com 1 ano, os sintomas estranhos se
acentuaram, com problemas de fala, e a pediatra encaminhou o garoto a um neurologista.
"Ele fez tomografia, exame de sangue, foi a
otorrino, mas todos os exames deram negativo. Desconfiaram de autismo, mas a hipótese
também foi descartada. Só depois disso tudo
confirmaram a hiperatividade", conta a mãe.
O diagnóstico precoce e correto de Giovanni
poupou a família de muito sofrimento. Ele está
sendo acompanhado por neuropsicólogo,
neuropediatra, faz fonoaudiologia e natação.
A mesma sorte não teve o mineiro Murilo (nome fictício), 17. A doença foi diagnosticada
quando ele estava na 1ª série, mas o garoto
cresceu sem tratamento adequado.
"Nunca fomos informados de que os sintomas da hiperatividade podiam ser controlados
com remédio", conta o pai, o engenheiro Ubiratan R. Sem apoio psiquiátrico e medicamento, Murilo virou o garoto-problema da cidade.
Foi expulso de cinco escolas e hoje tem envolvimento com drogas e pratica vandalismo.
"Ele não aceita não como resposta, quebra as
coisas da mãe e já destruiu até a porta do banheiro. Quando sai, morro de medo que se envolva em briga, mas, quando está em casa, ele
inferniza a vida de todo mundo", diz Ubiratan.
Mesmo os pais que recebem aconselhamento psicoterápico têm dificuldade de entender a
desobediência. "A criança não consegue seguir uma instrução até o fim por ser incapaz de
fixar a ordem. Para colocar limites, é preciso
repetir a instrução 20 vezes", diz Muszkat.
Os irmãos do hiperativo também sofrem.
"Meu filho mais novo vivia se atracando com
Paulo (nome fictício) porque ele quebrava todos os brinquedos. Mas melhorou com a terapia, hoje até ri quando o irmão aparece com a
roupa virada pelo avesso", afirma a publicitária M.E.F.
O acompanhamento psicoterápico é importante para a família. "A gente percebe que está
conseguindo ajudar o filho, é muito prazeroso.
Agora sei que, para o Paulo estudar, preciso
deixá-lo espalhar os livros pelo chão e escrever
deitado. Não dá para exigir que ele fique sentado na cadeira", conta M.E.F.
Nos EUA, as famílias de hiperativos montaram grupos de apoio em vários Estados.
"Nunca tive contato com pais de hiperativos.
Acho que, se tivesse alguém para desabafar,
saberia como lidar melhor com o meu filho",
diz Ubiratan.
ONDE TRATAR
Em SP: Ambulatório de Hiperatividade do
HC: para marcar consultas, telefone para
0/xx/11/3069-6277 ou 0/xx/11/3069-6094.
No Rio: Grupo de Estudos do Déficit de Atenção da UFRJ: informações no tel. 0/xx/21/295-3449, ramal 246.
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