São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2001
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OUTRAS IDÉIAS

Paternidade tecnocrática

A sociedade de consumo contemporânea viu nascer, nas últimas décadas, um personagem curioso: o pai "tecnocrata"

Julio Groppa Aquino

As férias escolares enfim terminaram! Mas o Carnaval já está aí, e, para os pais, é mais uma vez a hora da fatídica questão: o que fazer com as crianças? Mesmíssima pergunta dos fins-de-semana. Pergunta que a geração anterior de pais certamente não se fazia.
A sociedade de consumo contemporânea viu nascer, nas últimas décadas, um personagem curioso: o pai "tecnocrata". É aquele que cumpre religiosamente com suas funções "oficiais": leva, traz, cuida, supervisiona os afazeres da criança, batalha para proporcionar do bom e do melhor para a prole. Mas, no final das contas, não sabe ao certo como se relacionar intimamente com os filhos. Trocando em miúdos, pais e filhos revelam-se desconhecidos um para o outro.
Convivendo por um período mais longo do que uma noite ou um café da manhã, é muito frequente que ambos se estranhem, pois passam a conhecer melhor os hábitos e as preferências de cada um -que nem sempre coincidem.
Nessas horas, há aqueles que abandonam o barco. Enchem as malas com os mesmos brinquedos e transportam o mundo da criança "ipsis litteris" com o objetivo de que ela se sinta "familiarizada", leia-se quieta em seu canto, não importunando os pais. O resultado é o filho também "tecnocrata". Geralmente apassivado, entediado, angustiado até.
Na trilha oposta, existem os pais que se dedicam com mais afinco a um convívio instigante com os filhos. São aqueles que tomam esses momentos para exercitar aquilo que um dia escolheram fazer com suas vidas: educar.
E o que isso significa? Apresentar o mundo, em seus detalhes, às crianças. Em outras palavras, educar é compartilhar, com paciência e generosidade, algo de nosso domínio com o outro. Uma partilha vital, civilizatória.
As viagens, por exemplo, podem ser uma experiência fantástica para a criança se, pelo caminho, ela for despertada, questionada, encorajada a pensar sobre o que está vendo, ouvindo, sentindo, o que pode incluir desde a geografia local até a matemática das distâncias.
A leitura é outro exemplo interessante. Ler junto com a criança (e não apenas para ela) pode ser uma aventura bastante animada para ambos. Para a criança, pelo esforço de imaginação. Para os pais, pelo esforço de recriação. Conversar sobre o enredo, questionar as atitudes de determinado personagem, inventar outros desfechos possíveis para a história podem ser boas estratégias de aproximação entre os mundos infantil e adulto.
O museu, o parque de diversões ou mesmo a sala de TV, geralmente tidos como depósitos de crianças agitadas, também podem ser bons instrumentos educativos. Isso desde que os pais se disponham a gastar um pouco de seu tempo, problematizando a experiência cultural que está sendo vivida por elas.
E como isso pode ser realizado? Vejamos o caso do cinema.
Acompanhar os filhos a uma sessão de cinema nem sempre é tarefa fácil, mas pode ser uma experiência bastante prazerosa para ambos: mergulhando no filme junto com a criança, discutindo os aspectos abordados, questionando o roteiro, os personagens, as situações dilemáticas. Nesse momento, é bem possível pegar carona no filme e discutir questões de fundo, tais como: a ética, a sexualidade, os afetos etc.
Se preferir não enveredar explicitamente por questões dessa ordem, há dezenas de informações mais "objetivas" que podem ser veiculadas a partir do que lá se vivenciou. Não é preciso ser professoral nessas horas, apenas um bom contador de histórias.
Mas a melhor estratégia é a do simples convívio caseiro. Compartilhar o entusiasmo por determinadas atividades corriqueiras com os filhos é uma bela herança, a mais significativa de todas. Herança de pequenas habilidades: ajudar na cozinha ou na organização da casa, cuidar das plantas, contar os casos dos antepassados ou apenas contemplar a vida passando.
Encorajar as crianças, desde cedo, a experimentar e pensar sobre aquilo que gostamos de fazer nos períodos de ócio pode ser uma ótima descoberta para os pais: eles poderão descobrir nos filhos seus futuros interlocutores, ou melhor, parceiros de jornada.


JULIO GROPPA AQUINO é professor da Faculdade de Educação da USP e autor de "Do Cotidiano Escolar" (Summus, 2000), entre outros



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