São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
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VAI INDO QUE EU JÁ FUI

Eufemismos, mentiras e grosserias fazem parte do script clássico de rompimento. Por que é tão difícil ser sincero na hora de dizer "tchau"?

JULIANA VINES
SÃO PAULO

Poucas coisas são tão universais -e, ao mesmo tempo, tão incompreensíveis- quanto levar um fora. Principalmente quando é acompanhado de desculpas esfarrapadas, dignas de serem gravadas e reproduzidas.
"Não quero me envolver. Como assim, não quer se envolver? Então compre uma planta e se relacione com ela. Pessoas se envolvem", diz Fabi Cimieri, coautora do recém-lançado "O Guia do Toco -Como Dar e Levar sem Perder o Bom Humor" (BestSeller, 160 págs., R$ 24,90).
O livro lista dezenas de foras, divididos entre clássicos, esfarrapados e sinistros.
"Sinistros são aqueles que você não acredita que levou. Clássicos são os que todos dão e levam", explica Leticia Rio Branco, também autora.
Entre tantos tipos de tocos absurdos, o livro deixa uma pergunta no ar: não seria mais simples dizer não?
A estilista Deborah Monteiro, 32, namorava havia sete anos com um cara declaradamente mulherengo. Um dia, ele saiu com esta: "Ando muito enrolado. Acho que gosto de homem".
"Comecei a rir. Eu sabia que ele estava com outra. É mais fácil dizer que virou gay do que falar a verdade?"
A advogada Flavia, 34, que não quer se identificar, ouviu uma lorota mais absurda ainda, célebre entre suas amigas como o "toco fungos".
"Estava saindo com um cara há semanas. Um dia, ele mandou um e-mail dizendo que estava com fungos e por isso não poderia sair mais comigo." Ela nem questionou. "Não quis mais. Vai saber onde ele tinha fungos."

COVARDIA EMOCIONAL
Por que tanta gente prefere repetir clichês tipo "não quero me envolver" ou inventar coisas originais como "estou com fungos" em vez de explicar que não quer mais aquele relacionamento?
Não dizer a verdade é uma forma de sair pelos fundos e salvar a própria pele.
"Temos medo da reação, do ataque do outro. É uma estratégia de sobrevivência", diz o psiquiatra Carlos Briganti, diretor da Associação Brasileira de Psicoterapia.
Segundo a terapeuta familiar Flávia Stockler, não é o altruísmo que leva alguém a dizer, na hora do chute: "o problema sou eu, não você".
"A pessoa se justifica dizendo que não quis ofender. Na verdade, ela não quer se decidir, prefere ficar com o pé em duas canoas."
Apesar da conspiração feminina segundo a qual é o homem quem dá os piores e mais desajeitados tocos, dizer não é difícil para todos.
"Implica em escolha, perda. Escolher não é simples. Preferimos adiar até que a coisa se resolva sozinha."
O problema é que as indefinições criam uma coleção de relações mal resolvidas.
"É uma distorção de comportamento, uma forma de covardia emocional. A consequência são relações insatisfatórias", diz o terapeuta Sergio Savian, especialista em relacionamentos.
Para a antropóloga Telma Amaral, da Universidade Federal do Pará e pesquisadora na área de conjugalidades, existe uma tendência de encarar o fora como natural.
"É como se fugir fizesse parte da natureza humana, mas não faz. É um comportamento alimentado."
Também não é preciso ser radical e condenar todo e qualquer toco, diz o psicólogo Ailton Amélio, professor da USP. "Às vezes é a saída menos danosa, quando a pessoa não tem vínculo nenhum com a outra."

CUIDE BEM DE VOCÊ
A artista plástica francesa Sophie Calle levou um fora eternizado na exposição "Prenez Soin de Vous", que quer dizer "cuide bem de você", última frase do e-mail de rompimento que recebeu do namorado.
Sem saber o que responder, ela entregou a carta a 107 mulheres, que a interpretaram como bem entenderam. "Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper. Uma maneira de cuidar de mim", escreveu ela, no texto de apresentação da mostra, que esteve no Brasil em 2009.
Terminar por e-mail ou por mensagem de celular pode ajudar a dizer a verdade, mas não é a melhor saída, e muito menos a mais elegante.
"Quanto mais envolvimento você teve ou tem com uma pessoa, mais cuidado deve ter na hora de terminar uma relação", diz Savian. De acordo com Amélio, o fim de uma união longa pode demorar dez anos para ser digerido. "É traumático. Objetivos, identidade social e psicológica foram misturados." É mais difícil ser sincero, porque é deixar muito claro o desinteresse pelo outro.
Para Maria Luiza Munhoz, terapeuta da Associação Brasileira de Terapia Familiar, é possível aprender alguma coisa com tocos -nem que seja uma nova desculpa.
"Não existe um bom jeito de acabar, mas é preciso esvaziar as emoções do rompimento. A conversa é importante, ajuda os dois a saírem melhor." Sei. Falar é fácil.

Colaborou MÁRCIO SAMPAIO


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