São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2001
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ANA PAULA ORLANDI - FREE-LANCE PARA A FOLHA

Mercado para obesos começa a engordar

Quem tem excesso de peso já constatou a incrível semelhança que poltronas de avião, ônibus e cinema compartilham com latas de sardinha ou mesmo a fragilidade de sofás e camas que insistem em se esborrachar no chão. "Os problemas são inúmeros, já que o mundo não é feito para pessoas gordas", diz a funcionária pública Sílvia Biedermann, 30 anos e 155 kg. Apesar dos 20 milhões de obesos e outros 50 milhões de pessoas com excesso de peso no país, só recentemente o mercado brasileiro voltado para esse segmento começou a engordar.
"A obesidade está aumentando de maneira assustadora no Brasil e no mundo em função do aumento do estresse, da diminuição da atividade física e da piora da qualidade da alimentação", explica Walmir Coutinho, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade.
"É um mercado em franca expansão, mas ainda restrito a confecções e calçados", diz Carlos Alberto Pimentel, 33, um dos criadores do site Gordo (www. gordo.com.br), que registra 20 mil acessos mensais. Mesmo incipiente, ao que parece, esse mercado tem tudo para ganhar peso.
Atualmente, além de modelos de roupa que já seguem a tendência da moda e não se restrigem a calças com elástico na cintura e camisetas largas, é possível encontrar poltronas para a sala de visita com estrutura reforçada e também unidades hospitalares adaptadas para obesos (leia na página ao lado).
Gordinho desde a infância, Pimentel decidiu criar o serviço na Internet após ter morado nos Estados Unidos, onde 60% da população possui excesso de peso. Lá existem programas de TV e revistas, como Dimensions (www. dimensionsmagazine.com) e Big Beautiful Woman (www.bbwmagazine.com), feitos por e para gordos, além de associações que lutam pelos direitos dos obesos.
Sem o nível de organização encontrado nos Estados Unidos, os gordinhos brasileiros precisam apelar para o bom humor e ter jogo de cintura para driblar obstáculos. As poltronas de avião são o principal alvo de reclamações. Para não ter que passar a viagem espremido, é preciso deixar a vergonha de lado. "Informo que sou gordo na hora da reserva e peço para sentar ao lado de uma poltrona vaga ou ser acomodado em um lugar mais confortável. Em vôo lotado, só viajo na poltrona da janela, mas acabo incomodando os outros", diz o engenheiro Jorge Luís Machado Lourenço, 34, 123 kg e 1,80 m.
Sílvia Biedermann só encarou uma viagem de avião recentemente. Medo de altura ela não tem, mas receava passar pelo constrangimento de não conseguir entrar na cadeira ou encaixar o cinto de segurança. "Fiquei aliviada quando a aeromoça me avisou que havia um cinto extensor a bordo." Para evitar sufocos no dia-a-dia, Sílvia optou por um carro com duas portas no lugar de quatro. "O banco vai mais para trás e tenho mais espaço para me acomodar."
O publicitário Cláudio Delamare, 30, com 160 kg distribuídos por 1,92 m, encontra mais dificuldade em um ambiente que deveria facilitar a vida dos gordinhos. "Lanchonete é onde mais tenho problema por causa das cadeiras presas às mesas. Fica difícil entrar."
Os restaurantes também não escapam das críticas. "Seria mais democrático se os restaurantes colocassem cadeiras sem braço. As com braço dificultam a vida dos gordinhos, é difícil "entrar" nelas", reclama Sílvia. Em bares, gordinhos prevenidos evitam cadeiras de plástico. "Como elas não suportam muito peso, o truque é colocar uma cadeira sobre a outra. Do contrário, as pernas das cadeiras cedem e podem provocar acidentes", explica Lourenço.
No cinema, há quem faça malabarismo. "Dependendo da sala, não dá para sentar, já que algumas poltronas são pequenas para o tamanho dos meus quadris. Acabo jogando o quadril para a frente e fico com uma baita dor na coluna toda vez que vou a uma sessão de cinema", diz a professora de inglês Mariane D'Ávila, 36, 120 kg e 1,75 m.
Dentro de casa, a história não é diferente. Delamare nem pensa em adquirir um sofá com pé tipo palito. "Tenho a impressão de que vai desabar a qualquer hora." Lourenço já perdeu a conta das vezes em que foi obrigado a trocar o sofá da sala de visitas. "Compramos um sofá, e, depois de três meses, um pé já quebrou", conta ele, que é casado com uma gordinha.
Na casa de Lourenço, a cadeira do computador tem assento maior do que o convencional, e o peso do corpo é amortecido por um sistema de suspensão semelhante ao de um automóvel. Os cuidados não param por aí. "Só compramos assento de madeira para vaso sanitário. O de plástico quebra com o tempo, acaba beliscando as partes íntimas."
Para evitar surpresas desagradáveis, o casal encomendou uma cama cujo estrado fica apoiado em uma chapa de madeira maciça. Estratégia semelhante foi adotada pela modelo e atriz Isabeau Christine, 27, 90 kg e 1,70 m. "O estrado da maioria das camas não é feito para gordinhos. Como minha cama já quebrou três vezes, meu namorado martelou ripas de madeira nas laterais para reforçar."
Isabeau gosta de lingerie incrementada. "Já existem alguns modelos no mercado, mas as opções são poucas. A solução para o dia-a-dia é apelar para a linha pós-operatório ou voltada para senhoras, que acaba tampando todo o bumbum", lamenta. "Meu sonho de consumo é poder encontrar, em lojas de departamento, lingeries bonitas e grandes. Nós, gordinhas, também temos direito à sensualidade."

Teatro e cinema Em São Paulo, a lei municipal nš 12.658 determina que cinemas, teatros, bibliotecas, ginásios, casas noturnas e restaurantes tenham 5% de poltronas para obesos. Essa legislação ainda não foi regulamentada, mas alguns estabelecimentos já reservam espaço para os gordinhos. Todos os braços das poltronas das novas salas de cinema do grupo Cinemark, por exemplo, são removíveis. A iniciativa é voltada para gordinhos ou casais de namorados, que podem ocupar dois assentos. Já o Teatro Alfa oferece 60 poltronas especiais para obesos na sala principal e 6 na sala B. Goiânia, Curitiba e Salvador possuem leis semelhantes à paulistana.

Avião Não há poltronas especiais para obesos em aeronaves, por isso as companhias aéreas recomendam que o passageiro informe sua compleição física na reserva. Os aviões possuem extensor para aumentar o cinto de segurança. Basta solicitá-lo à aeromoça.

Ônibus Em ônibus de viagem convencional, o passageiro precisa comprar duas passagens. "Compro duas passagens ou viajo de leito. Do contrário, não viajo, fica muito apertado. Já aconteceu de uma senhora achar que eu estava me esfregando nela porque meu corpo estava tão espremido que "transbordava" para os lados", conta o engenheiro Jorge Lourenço. Em São Paulo, a lei municipal nš 11.840 determina que obesos podem saltar do coletivo pela porta da frente, sem haver necessidade de passar pela roleta.

Hospital Alguns hospitais já dispõem de unidades hospitalares preparadas para receber pacientes com até 350 kg. No Hospital Samaritano (RJ), existem três quartos com dimensões maiores, com portas mais largas, assentos sanitários reforçados e boxes sem porta que permitem que os pacientes possam ser levados de cadeira de rodas até o chuveiro. O centro cirúrgico é equipado com uma mesa especial para pacientes obesos.

Produtos A loja carioca CCR (tel. 0/xx/ 21/543-4325) comercializa produtos norte-americanos criados para os gordinhos, como poltronas com assento largo, apoio de braço e estrutura interna reforçada, escovas com cabo regulável para lavar os pés e triciclos elétricos que facilitam a locomoção.


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