|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
drible aneura
ANA PAULA ORLANDI - FREE-LANCE PARA A FOLHA
Mercado para obesos começa a engordar
Quem tem excesso de peso já constatou a incrível
semelhança que poltronas de avião, ônibus e cinema compartilham com latas de sardinha ou mesmo
a fragilidade de sofás e camas que insistem em se esborrachar no chão. "Os problemas são inúmeros, já
que o mundo não é feito para pessoas gordas", diz a
funcionária pública Sílvia Biedermann, 30 anos e 155
kg. Apesar dos 20 milhões de obesos e outros 50 milhões de pessoas com excesso de peso no país, só recentemente o mercado
brasileiro voltado para esse segmento começou a engordar.
"A obesidade está aumentando de maneira assustadora no Brasil e no mundo
em função do aumento do estresse, da diminuição da atividade física e da piora da
qualidade da alimentação", explica Walmir Coutinho, presidente da Associação
Brasileira para o Estudo da Obesidade.
"É um mercado em franca expansão,
mas ainda restrito a confecções e calçados", diz Carlos Alberto Pimentel, 33, um
dos criadores do site Gordo (www.
gordo.com.br), que registra 20 mil acessos mensais. Mesmo incipiente, ao que
parece, esse mercado tem tudo para ganhar peso.
Atualmente, além de modelos de roupa
que já seguem a tendência da moda e não
se restrigem a calças com elástico na cintura e camisetas largas, é possível encontrar poltronas para a sala de visita com
estrutura reforçada e também unidades
hospitalares adaptadas para obesos (leia
na página ao lado).
Gordinho desde a infância, Pimentel
decidiu criar o serviço na Internet após
ter morado nos Estados Unidos, onde
60% da população possui excesso de peso. Lá existem programas de TV e revistas, como Dimensions (www.
dimensionsmagazine.com) e Big Beautiful Woman (www.bbwmagazine.com), feitos por e para gordos, além
de associações que lutam pelos direitos
dos obesos.
Sem o nível de organização encontrado
nos Estados Unidos, os gordinhos brasileiros precisam apelar para o bom humor
e ter jogo de cintura para driblar obstáculos. As poltronas de avião são o principal
alvo de reclamações. Para não ter que
passar a viagem espremido, é preciso deixar a vergonha de lado. "Informo que sou
gordo na hora da reserva e peço para sentar ao lado de uma poltrona vaga ou ser
acomodado em um lugar mais confortável. Em vôo lotado, só viajo na poltrona
da janela, mas acabo incomodando os
outros", diz o engenheiro Jorge Luís Machado Lourenço, 34, 123 kg e 1,80 m.
Sílvia Biedermann só encarou uma viagem de avião recentemente. Medo de altura ela não tem, mas receava passar pelo
constrangimento de não conseguir entrar na cadeira ou encaixar o cinto de segurança. "Fiquei aliviada quando a aeromoça me avisou que havia um cinto extensor a bordo." Para evitar sufocos no
dia-a-dia, Sílvia optou por um carro com
duas portas no lugar de quatro. "O banco
vai mais para trás e tenho mais espaço
para me acomodar."
O publicitário Cláudio Delamare, 30,
com 160 kg distribuídos por 1,92 m, encontra mais dificuldade em um ambiente
que deveria facilitar a vida dos gordinhos.
"Lanchonete é onde mais tenho problema por causa das cadeiras presas às mesas. Fica difícil entrar."
Os restaurantes também não escapam
das críticas. "Seria mais democrático se
os restaurantes colocassem cadeiras sem
braço. As com braço dificultam a vida
dos gordinhos, é difícil "entrar" nelas", reclama Sílvia. Em bares, gordinhos prevenidos evitam cadeiras de plástico. "Como
elas não suportam muito peso, o truque é
colocar uma cadeira sobre a outra. Do
contrário, as pernas das cadeiras cedem e
podem provocar acidentes", explica Lourenço.
No cinema, há quem faça malabarismo. "Dependendo da sala, não dá para
sentar, já que algumas poltronas são pequenas para o tamanho dos meus quadris. Acabo jogando o quadril para a
frente e fico com uma baita dor na coluna
toda vez que vou a uma sessão de cinema", diz a professora de inglês Mariane
D'Ávila, 36, 120 kg e 1,75 m.
Dentro de casa, a história não é diferente. Delamare nem pensa em adquirir um
sofá com pé tipo palito. "Tenho a impressão de que vai desabar a qualquer hora."
Lourenço já perdeu a conta das vezes em que
foi obrigado a trocar o sofá da sala de visitas.
"Compramos um sofá, e, depois de três meses, um pé já quebrou", conta ele, que é casado com uma gordinha.
Na casa de Lourenço, a cadeira do computador tem assento maior do que o convencional, e o peso do corpo é amortecido por
um sistema de suspensão semelhante ao de
um automóvel. Os cuidados não param por
aí. "Só compramos assento de madeira para
vaso sanitário. O de plástico quebra com o
tempo, acaba beliscando as partes íntimas."
Para evitar surpresas desagradáveis, o casal encomendou uma cama cujo estrado fica
apoiado em uma chapa de madeira maciça.
Estratégia semelhante foi adotada pela modelo e atriz Isabeau Christine, 27, 90 kg e 1,70
m. "O estrado da maioria das camas não é
feito para gordinhos. Como minha cama já
quebrou três vezes, meu namorado martelou ripas de madeira nas laterais para reforçar."
Isabeau gosta de lingerie incrementada.
"Já existem alguns modelos no mercado,
mas as opções são poucas. A solução para o
dia-a-dia é apelar para a linha pós-operatório ou voltada para senhoras, que acaba
tampando todo o bumbum", lamenta. "Meu
sonho de consumo é poder encontrar, em
lojas de departamento, lingeries bonitas e
grandes. Nós, gordinhas, também temos direito à sensualidade."
Teatro e cinema Em São Paulo, a lei
municipal nš 12.658 determina que cinemas, teatros, bibliotecas, ginásios, casas
noturnas e restaurantes tenham 5% de
poltronas para obesos. Essa legislação
ainda não foi regulamentada, mas alguns
estabelecimentos já reservam espaço para os gordinhos. Todos os braços das poltronas das novas salas de cinema do grupo Cinemark, por exemplo, são removíveis. A iniciativa é voltada para gordinhos ou casais de namorados, que podem ocupar dois assentos. Já o Teatro Alfa oferece 60 poltronas especiais para
obesos na sala principal e 6 na sala B.
Goiânia, Curitiba e Salvador possuem
leis semelhantes à paulistana.
Avião Não há poltronas especiais para
obesos em aeronaves, por isso as companhias aéreas recomendam que o passageiro informe sua compleição física na
reserva. Os aviões possuem extensor para
aumentar o cinto de segurança. Basta solicitá-lo à aeromoça.
Ônibus Em ônibus de viagem convencional, o passageiro precisa comprar
duas passagens. "Compro duas passagens ou viajo de leito. Do contrário, não
viajo, fica muito apertado. Já aconteceu
de uma senhora achar que eu estava me
esfregando nela porque meu corpo estava tão espremido que "transbordava" para os lados", conta o engenheiro Jorge
Lourenço. Em São Paulo, a lei municipal
nš 11.840 determina que obesos podem
saltar do coletivo pela porta da frente,
sem haver necessidade de passar pela roleta.
Hospital Alguns hospitais já dispõem
de unidades hospitalares preparadas para receber pacientes com até 350 kg. No
Hospital Samaritano (RJ), existem três
quartos com dimensões maiores, com
portas mais largas, assentos sanitários reforçados e boxes sem porta que permitem que os pacientes possam ser levados
de cadeira de rodas até o chuveiro. O centro cirúrgico é equipado com uma mesa
especial para pacientes obesos.
Produtos A loja carioca CCR (tel. 0/xx/
21/543-4325) comercializa produtos norte-americanos criados para os gordinhos,
como poltronas com assento largo, apoio
de braço e estrutura interna reforçada,
escovas com cabo regulável para lavar os
pés e triciclos elétricos que facilitam a locomoção.
Texto Anterior: Pergunte aqui Próximo Texto: Coluna social: O "padeiro-pão" Olivier dá aula no Jd. Ângela Índice
|