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Outras idéias
Anna Veronica Mautner
Sentir-se excluído
"Coitadinho" é uma
expressão comum
para falar de
crianças. Levando
a linguagem a sério, vemos a
criança como destituída, pobre,
infeliz, cujas dores os pais se
vêem no dever de compensar.
Recorrendo às minhas parcas informações, não conheço
outros países com a mesma visão. "Poor little kid" ou "la pauvre" são usados só quando há
sofrimento. Não é simplificação, eu atribuo a essa forma de
encarar a criança um certo jeito
de elas serem aqui entre nós.
Uma vez, em Aruba, pude
distinguir rapidamente as famílias da América Central ou
do Sul e as de europeus ou americanos. As crianças das primeiras famílias eram impacientes,
briguentas, reclamavam, teimavam e corriam pelo salão.
Será que o denominador comum seria a existência da "babá"? Ela não é só uma encarregada de cuidar da criança, representa a possibilidade de o
casal, apesar dos filhos, não ter
de mudar o seu estilo de vida.
É comum aqui uma criança
chamar a mãe num tom normal
sem ser atendida. Se a mãe ainda não atende, ela apela para o
grito. Se a babá estiver presente, cabe a ela distrair a criança.
Ensinar boas maneiras demanda esforço, tempo e paciência. Não é no grito. Hábitos são instaurados passo a passo.
Acatar horários de dormir, por
exemplo, não é fácil. Adormecer é desligar-se do mundo e,
para muitas crianças, pode ser
assustador. É por isso que elas
se apegam tanto a rituais. Histórias, cantigas e orações não
podem ser só quando os pais
têm tempo. Têm de ser sempre
iguais, para que a criança tenha
certeza de que serão iguais
também quando acordar.
Quando um casal resolve ter
filhos, deve saber que a vida
mudará, mesmo que tenha babá, enfermeira e avó para ajudar. Uma criança muda muito a
intimidade do casal, mas ela
não pode desaparecer. Se os
pais defendem demais o seu espaço, o filho se sentirá excluído
e passará às retaliações: excesso de demanda.
Ser excluído gera uma sensação de aniquilação, uma ameaça psíquica grave. Para uma
criança, chamar e não ser atendida soa como "será que eu
existo?". Para o adulto, não ser
atendido num pedido (hora de
dormir, por exemplo) também
traz a sensação de inexistência.
O recurso mais comum para
se fazer ouvir é falar mais alto.
Se a criança tem de lutar muito
para se sentir percebida, ela vai
encontrar um jeito de chamar a
atenção para extinguir a sensação desagradável provocada
pela exclusão.
Cabe aos pais reverter o processo, mas isso não se faz com
complacência, e sim com uma
presença mais consciente. Todo mundo quer se sentir existindo. Ninguém suporta o olho
que não o enxerga nem o ouvido que não o escuta.
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed.
Ágora)
@ - amautner@uol.com.br
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