São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 2006
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odontologia

Tratamento de sopro

Instrumentos como flauta, saxofone e trompete influenciam músculos do rosto e posição dos dentes das crianças e podem ajudar a tratar lábios flácidos e queixo para a frente , entre outros problemas

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Criatividade, sensibilidade, disciplina, capacidade de improviso, formação cultural. Os pais que matriculam seus filhos em aulas de música costumam conhecer os benefícios que a atividade traz em relação a esses tópicos. O que nem todo mundo sabe é que, se o instrumento for de sopro e, caso usado continuamente, pode trazer uma vantagem extra: ajudar a corrigir certos desvios dos músculos do rosto, que, por sua vez, influenciam a posição dos dentes.
Queixo projetado para a frente ou para trás e lábios flácidos, curtos ou separados são exemplos de problemas que podem, em alguns casos, ter uma melhora com o uso desses instrumentos.
"Os instrumentos de sopro trabalham a musculatura da face e podem exercer influência sobre a posição dos dentes. Em algumas crianças, eles ajudam a melhorar determinados desvios miofuncionais [relacionados ao funcionamento dos músculos]", afirma a odontopediatra Maria Cristina Ferreira de Camargo.
A dentista, que atende em consultório há mais de 30 anos e é autora de pesquisas sobre o crescimento da face, decidiu observar quais músculos cada instrumento de sopro trabalha e de que maneira ocorre essa ação. A partir disso, passou a indicar a atividade a alguns pacientes como coadjuvante no tratamento.
Para Eduardo Felipe Fernandes Pereira, 9, que tinha o hábito de respirar pela boca, ela prescreveu a gaita, "uma forma lúdica de estimular a sensibilidade, o toque e a percepção dos lábios". "Ele ficava sempre de boca aberta. No início, tocava a gaita mais por obrigação, mas hoje ele adora e vê como brincadeira. A respiração dele já normalizou", conta a mãe do menino, a auxiliar de odontologia Misleine Pereira, 27.
A fonoaudióloga Irene Marchesan, diretora clinica do Cefac (Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica), de São Paulo, confirma que os instrumentos de sopro funcionam bem para casos como o de Eduardo. "Eles fortalecem a musculatura de sustentação da mandíbula e ajudam a pessoa a treinar manter a boca fechada. Muitos fonoaudiólogos indicam exercícios com bexigas, apitos e línguas-de-sogra, mas, se o paciente se interessar por música, o instrumento de sopro é uma atividade mais continuada, que incentiva a criança a fazer por mais tempo", diz.

Piora
Da mesma forma que trazem benefícios em alguns casos, os instrumentos de sopro podem agravar -ou impedir que melhorem- certos desvios já instalados. Assim, crianças com tendência a mordida aberta (quando os dentes da frente não se tocam) devem evitar o clarinete, o saxofone, o oboé, o fagote e a corneta, de acordo com Camargo, já que os movimentos realizados podem piorar o afastamento entre as arcadas dentárias.
Isso não significa, no entanto, que quem não tem nenhum problema vá apresentá-lo após tocar flauta ou saxofone, por exemplo. "Se você tem uma boca de formas corretas e com uma musculatura equilibrada nada vai acontecer. O problema é quando a pessoa já apresenta uma deficiência e toca sistematicamente um instrumento que ratifica aquilo", diz a dentista.
A fonoaudióloga Irene Marchesan lembra que a interferência dos instrumentos sobre a musculatura e o crescimento ósseo ocorre apenas na infância e na pré-adolescência. "Isso não vale para a idade adulta, quando já terminou o crescimento do indivíduo. O último pico de crescimento ocorre por volta dos 12, 14 anos", diz.
O dentista José Fernando Castanho Henriques, professor titular da USP (Universidade de São Paulo) e consultor da Associação Brasileira de Odontologia, afirma ainda que os efeitos dependem da freqüência, da intensidade e da duração do uso do instrumento. "Se a pessoa treinar só de vez em quando e não usar muita intensidade, a influência não é tão grande", pondera.
Ele também observa que é importante identificar as causas principais de cada problema. "É preciso investigar se o desvio tem uma causa médica. A falta de selamento labial [boca aberta] pode ocorrer devido a uma obstrução, uma adenóide hipertrofiada, por exemplo. Os instrumentos musicais podem ajudar, mas são só coadjuvantes no tratamento", diz.
Para Cristina Camargo, é preciso analisar cada caso individualmente. "O ideal é que haja sintonia entre o professor de música e o dentista da criança, para que os dois possam adequar o instrumento às necessidades de cada pessoa."


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