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S.O.S. Família
Rosely Sayão
Sobre atrasos e responsabilidade
Outro dia fui a uma escola para uma reunião com os professores ao final do período da aula e cheguei perto
das 18 horas. Por todo o espaço
escolar, havia crianças correndo, gritando, conversando, jogando, brincando, desde as da
educação infantil (com menos
de seis anos) até as que freqüentam as séries iniciais do
ensino fundamental.
Como as aulas já haviam terminado, perguntei por que as
crianças permaneciam lá. A diretora me respondeu que muitos pais se atrasam para buscá-las e, por isso, a escola permanece aberta até que o último
aluno seja levado para casa. Ela
disse, inclusive, que isso pode
ocorrer perto das 19 horas. Para
uma escola que finaliza as aulas
às 17h45, é muito tempo.
Resolvi fazer uma pesquisa
rápida com amigos e colegas
que trabalham em escolas e todos repetiram a mesma coisa:
muitos pais costumam se atrasar para buscar os filhos, e esses
atrasos variam de 15 minutos a
uma hora. Conhecedoras da situação, algumas escolas até fazem contratos à parte com os
pais e cobram por esse período.
Se essa é uma boa saída para a
escola, que pode, desse modo,
remunerar funcionários especificamente para essa tarefa
-afinal, as crianças não podem
ficar sozinhas nesse período-,
não o é para os alunos.
Uma criança não tem a mesma noção de tempo do adulto.
Para ela, o tempo cronológico
do relógio não tem muito significado. O decorrer do dia, para a
criança com menos de seis
anos, é compreendido a partir
das experiências que ela vive.
Desse modo, ela entende que,
terminado o tempo de estar na
escola, acaba o período de ficar
separada de seus pais ou de sua
casa, que os representa nesse
momento. Isso quer dizer que
um atraso de 15 minutos, se não
faz muita diferença para o adulto, para a criança o faz.
Faz parte da rotina escolar o
fechamento do dia para que o
aluno se organize e se prepare
para a mudança de experiência,
e isso acontece no horário combinado. A partir desse momento, a criança espera por seus
pais ou responsáveis porque sabe que, depois da escola, é hora
de encontrá-los e ir para casa.
Quando eles demoram, mesmo
que por alguns minutos, a
criança se ressente. Tem receio
de ficar desamparada, sente-se
solitária -já que o grupo com o
qual se identifica foi desfeito-
e experimenta o isolamento,
mesmo que ao lado de vários
colegas cujos pais são, igualmente, retardatários. Nessa
idade, a criança não entende o
que é atraso nem os motivos
que podem provocar isso na vida de um adulto e, por isso, interpreta que foi abandonada.
Para os alunos mais velhos,
que já dominam um pouco
mais o tempo cronológico, o
atraso dos pais é também problemático, já que eles relacionam a demora com o fato de
não serem uma prioridade.
E por que os pais se atrasam
para esse compromisso tão sério? Em primeiro lugar, vivemos numa cultura que não dá
muita importância à pontualidade. Atrasos são sempre tolerados e até previstos em quase
todas as atividades. Em segundo, porque o trabalho exige cada vez mais das pessoas, e elas
se comprometem cada vez
mais com essa parte de suas vidas. Entretanto, quem tem filho precisa encarar as mudanças que isso provoca na vida
-de homens e mulheres- e se
programar para dar conta de
compromisso tão importante.
Claro que imprevistos ocorrem na vida de qualquer um,
mas quem tem filhos precisa
contar com essa possibilidade e
se organizar para que alguém o
substitua nesses momentos. O
que não pode acontecer é o que
tem ocorrido: atrasos sistemáticos dos pais. Ora, isso é não
assumir o devido compromisso
com o filho e com o papel de
mãe e de pai. Imprevisto nenhum justifica essa situação.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br
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