São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 2002
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foco nele

"Essa banana toda tem de ser aproveitada!"

ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os 370 milhões de cachos de banana desperdiçados por ano no Brasil (cerca de 60% da produção, incluindo os 20% jogados no lixo já na casa do consumidor) poderiam virar nhoque, sopa, croquete, pastel, pudim e até mesmo brigadeiro. Nas mãos da ex-bananicultora Heloísa de Freitas Valle, 72, a banana verde adquire um caráter que vai além da utilidade gastronômica -que não é pouca, diga-se de passagem.
À frente do projeto Pró-Banana Verde, criado por ela há oito anos e que tem o apoio da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Disque-tecnologia da USP, Heloísa acredita que sua missão é maior: "Podemos usar a banana verde para diminuir custos de produção e aumentar o valor nutricional dos alimentos", diz ela, que transforma 300 g de carne em 1 kg, depois de acrescentar casca de banana ao produto.
Heloísa, que plantava bananas em suas terras no Vale do Ribeira, já preparou linguiça de banana verde para professores da UFSCar e panetone para pesquisadores da Embrapa -Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Esses são dois dos vários locais onde ministrou palestras e promoveu degustações. Recém-contratada por uma empresa alimentícia de Santa Catarina, Heloísa aguarda ansiosa um laudo que está sendo preparado por alguns institutos da USP, entre eles o de microbiologia. "É para uma empresa de São Paulo que pretende produzir a biomassa de banana verde para servir outras indústrias e fazer produtos como sucos", conta ela, que também lança um livro de receitas no segundo semestre. E alerta: "Esse é um projeto do Brasil, não da dona Heloísa".

Folha - Como a sra. começou a usar banana verde como alimento?
Heloísa de Freitas Valle - Eu era bananicultora, e, quando ia comprar adubo em uma loja perto da fazenda, no Vale do Ribeira, o vendedor perguntava se eu já havia tomado sopa de banana verde. Curiosa, eu pedia a receita, mas ele nunca dava. Um dia, quando pus os pés na minha terra, o filho do empregado informou que haviam roubado todos os mantimentos. Como só tinha banana -e verde-, pensei: "Vou fazer aquela sopa". Ficou ótima! A partir daí não parei mais de inventar pratos com banana verde.

Folha - Como surgiu e o que é o projeto Pró-Banana Verde?
Heloísa - Surgiu em parceria com o professor Luiz Márcio Poiani, da UFSCar, que foi ao Vale do Ribeira e disse: "Nossa, isso parece um mar de bananas; num lugar como este não há uma indústria que aproveite isso tudo?". Depois desse encontro -e depois do assalto que comentei-, eu liguei para ele, dizendo: "Olha, professor, eu descobri umas coisas sobre a banana!". Nós nos encontramos novamente e, àquela altura, eu já havia feito hambúrguer, bolinho, nhoque, croquete e até maionese com a fruta, que fica maravilhosa, e não precisa nem pôr ovo! Daí, comecei a formatar o Pró-Banana Verde com o Poiani, que é um projeto para diminuir custos de produção e aumentar o valor nutricional dos alimentos. Temos que transformar o uso da nossa banana verde. Sabia que desperdiçamos 60% da nossa produção e somos o 2º maior produtor do mundo? Essa banana toda tem de ser aproveitada.

Folha - E como está o projeto?
Heloísa - Nós estamos nos organizando mais. Há um grupo de profissionais da UFSCar, do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), do Disque-tecnologia e do departamento de microbiologia da USP dando orientação e assessoria. Estamos preparando o projeto para entregar ao CNPQ para ser publicado. Já temos vários dados, pesquisas que comprovam os benefícios da biomassa. Como você vê, esse é um projeto do Brasil, não da dona Heloísa.

Folha - O que é a biomassa de banana verde?
Heloísa - É simplesmente a banana cozida e processada. Estamos estudando se vai ser necessário algum tipo de conservante, mas a gente já sabe que, fechando à vácuo e mantendo na refrigeração, essa massa dura meses. A partir dela é que você faz o pão, o macarrão, a sopa...

Folha - A biomassa já está sendo usada em alguma indústria?
Heloísa - Depois que dei cursos em Santa Catarina, recebi cartas de prefeitos dizendo que iam pôr na merenda escolar. Fui contratada por uma indústria do Paraná que quer usar a biomassa para compor as refeições que eles distribuem nas empresas. Há também uma empresa de São Paulo que pretende produzir a biomassa para servir outras indústrias e fazer produtos como sucos; essa empresa só aguarda as análises da USP.

Folha - Se bem utilizada, a biomassa de banana verde pode reduzir a fome no país?
Heloísa - As pessoas podem aumentar muito os nutrientes da sua comida, de forma simples e barata. Se produzirmos flocos de banana verde, então, podemos realmente ser o celeiro do mundo! A pessoa pega os flocos, mistura com água, com leite, com caldo de sopa, e aquilo já virou alimento. E podemos exportar!

Folha - Como as pessoas podem conhecer suas receitas?
Heloísa - Meu livro de receitas deve sair em quatros meses. As pessoas podem me achar por e-mail (noelj@uol.com.br) ou por telefone (0/xx/11/3487-2065).



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