São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2011
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OUTRAS IDEIAS

ANNA VERONICA MAUTNER amautner@uol.com.br

Mudanças no cotidiano


O dia ficou mais curto, estamos sempre atendendo alguém, lendo, respondendo, apagando e-mails


Qualquer lei ou decreto invade o universo da vida diária de muita gente.
E não é apenas a legislação que interfere no ritual do nosso cotidiano: os aparelhos eletroeletrônicos também modificaram rapidamente o nosso jeito de viver.
Há muito pouco tempo, quando você chegava em casa, era só você pegar e abrir a sua correspondência.
Eventualmente, checava se alguém havia passado lá procurando por você ou telefonado -e pronto! Aí, a tecnologia foi trazendo mudanças para dentro de casa. Foram entrando a secretária eletrônica, o computador com seus e-mails etc.
Hoje, todos esses aparelhos precisam ser consultados imediatamente, antes mesmo que você chegue ao quarto ou à sala, praticamente ainda com a bolsa na mão.
São invasões simples, que vieram até para facilitar a vida. Do celular é melhor nem falar, é parte do nosso corpo, vai aonde vamos.
O dia, com todos esses eletroeletrônicos, ficou bem mais curto porque estamos sempre atendendo alguém, lendo, respondendo, limpando, apagando. São minutos mais minutos tomados por uma comunicação ininterrupta, cuja função, na maior parte das vezes, é apenas a de reassegurar que "estamos".

 


Numa democracia, supõe-se livre o direito de desejar, querer e se esforçar para obter o objeto de desejo.
Todo mundo deveria ter direito a um carro. E tantos são os que o conseguem que o chão carroçável da cidade não dá mais conta.
Aí, inventa-se o rodízio. Um dia por semana, todos que têm carro perdem o direito de usar suas rodas, afinal, o prolongamento de suas pernas. Quem tem carro, tem duas pernas e quatro rodas -e tem pernas amputadas um dia por semana.
E eis que um novo tópico entra nas conversas, e o novo impedimento obriga a vida a se reorganizar. O rodízio institui uma rotatividade, dependendo do número da placa.
No dia do meu rodízio, eu não marco médico, dentista, certas aulas. Suspendo tudo o que não é obrigatório, que pode ser feito em outro dia. Existe um dia, que não é nem o sábado dos judeus, nem o domingo dos cristãos, que é o meu dia, diferente de todos os outros dias.
Parece bem democrático, afinal, aparentemente, o rodízio atinge a todos.
Só que nem todos são tão iguais. Aqueles que podem se dar ao luxo de ter um carro a mais foram comprando um carro para o rodízio, com o final de placa que não coincide com os outros da família.

ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus).


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