São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2011
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NEURO

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

Palavras, palavrinhas e palavrões


Ao prender um dedo na porta é provável que você descubra seu acervo de expletivos escabrosos


Eles existem aparentemente em todos os idiomase são sons como quaisquer outros, representados por sequências de letras perfeitamente comuns. Mas seus significados são inconfundíveis: palavrões são aqueles itens do vernáculo reservados para comunicar injúrias, insultos e outros conteúdos emocionalmente carregados ou ofensivos.
Nem sempre se direcionam a outras pessoas. Prenda o dedo na porta, e você dificilmente ficará quieto ou gritará: "Malvada!". É provável que, nessa hora, descubra a extensão do seu acervo de expletivos escabrosos.
De fato, recorremos a essas palavras especiais para colocar para fora a dor, tanto física quanto emocional, mesmo quando não há ninguém ao redor. Com resultados: há especialistas que recomendam o uso terapêutico de palavrões para aliviar a dor...
O que torna os palavrões diferentes das outras palavras? Seus significados, seus sons, as associações que construímos a seu redor, tudo isso junto?
Foi pensando nisso que dois pesquisadores da Universidade de Bristol, na Inglaterra, pediram a voluntários (devidamente informados) para ler em voz alta os dois palavrões mais ofensivos da língua inglesa, "f*ck" e "c*nt" (escritos com todas as letras, claro), e seus eufemismos "f-word" e "c-word", enquanto a reação emocional de cada voluntário era medida por um aparelho semelhante a um polígrafo.
O resultado não foi surpresa nenhuma: enquanto ler palavras neutras ou seus "eufemismos" (como "door" e "d-word") produzem uma resposta emocional apenas modesta, a leitura de palavrões em voz alta causa uma resposta emocional quatro vezes mais forte. E eufemismos cumprem sua função, provocando uma resposta que é apenas a metade da causada pelo palavrão correspondente -mas ainda assim duas vezes maior do que palavras neutras.
Não é o significado do palavrão, portanto, que o torna emocionalmente provocativo -ou eufemismos surtiriam o mesmo efeito, em vez de uma resposta mais branda-, e sim sua associação emocional. Há evidências, inclusive, de que palavrões são produzidos pelo córtex cingulado, um córtex "motor emocional", e não pelo córtex pré-motor que articula todo o resto da linguagem. Talvez, por isso, algumas vítimas de derrame percam a fala, mas não seus palavrões. E talvez, por isso, eles sejam a maneira automática de responder à porta que nos ofendeu...

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, autora de "Pílulas de Neurociência para Uma Vida Melhor" (Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com



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