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São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 2003
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A ligação entre sistema nervoso e pele tem início no desenvolvimento do feto e explica as chamadas doenças psicocutâneas

Doenças na pele começam na mente

Jagadeesh NV/Reuters
Parece um tabuleiro de jogo, mas é o ambiente de trabalho de um "call center" na Índia


MICHELE OLIVEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA

Rubor, palidez e suor nas mãos relacionados a emoções como embaraço, susto e nervosismo mostram a ligação íntima que existe entre a pele e o que se passa na mente. Nesses casos, o reflexo na pele acontece quase imediatamente e é inofensivo. Porém uma situação permanente de estresse, tensão ou ansiedade pode causar problemas mais graves, que se manifestam por meio dos chamados sintomas psicocutâneos, que incluem coceiras, ressecamento, manchas e descamação. Aspectos emocionais podem estimular até o aparecimento de doenças associadas à predisposição genética, como psoríase e alopécia areata (pelada). "O estado da pele é influenciado pelo que se passa na mente. Certas doenças são desencadeadas por pensamentos, reflexões, preocupações ou estresse", diz o dermatologista do Hospital Universitário de Brasília Roberto Azambuja, que estuda a relação entre pele e psiquismo e fundou a Sociedade Brasileira de Dermatologia Integrativa - Brasil. A medicina integrativa busca tratar a saúde levando em conta a associação entre corpo, mente, emoções e espírito.

Ligação começa no feto
A conexão entre pele e sistema nervoso é anterior ao próprio nascimento. Ambos originam-se da camada externa do embrião, o ectoderma. Durante o desenvolvimento, essa camada dobra-se sobre si mesma, formando um tubo. A parede externa desse tubo transforma-se na pele, e a interna, no sistema nervoso.
Durante toda a vida, as terminações nervosas "informam" a pele sobre o que está acontecendo na mente. "A pele é mais que um tecido de revestimento. É o maior órgão do nosso corpo e a nossa primeira barreira de defesa, além de estar conectada aos pensamentos", diz a dermatologista Iara Galiás Yoshinaga, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia Integrativa - Brasil.
A pele também reage aos hormônios do sistema nervoso central, afirma a dermatologista Denise Steiner, diretora da Sociedade Brasileira de Dermatologia - Regional São Paulo. Para preparar o organismo para reagir a uma situação ameaçadora, por exemplo, as glândulas supra-renais aumentam a secreção de adrenalina e cortisol, o que prejudica o sistema imunológico. Como também possui características imunitárias, a pele acaba por ter sua função comprometida.
Até aquela espinha que surge bem no dia de um evento importante ou na véspera de uma prova pode não ser mera coincidência. Mais adrenalina e cortisol significam maior produção de gordura pelas glândulas sebáceas, o que pode agravar a acne.
Segundo Steiner, doenças de pele influenciadas por fatores emocionais -ou psicodermatoses- são divididas em três grupos. As doenças auto-imunes como o vitiligo e as de causa desconhecida como a rosácea reúnem a maioria dos casos e têm em comum a dificuldade de atingir a cura e o alto índice de reincidência. Há ainda as doenças que se aproximam dos distúrbios psiquiátricos.
Tanto a prevenção como o tratamento das psicodermatoses passam pela necessidade de a pessoa desenvolver um processo de defesa de emoções prejudiciais à pele. "Não é uma pele doente, é uma pessoa que tem sintomas de pele, advindos de um desarranjo sistêmico. Se o estado emocional está causando aquilo, não basta só passar remédio para pele", afirma Azambuja. De acordo com ele, é preciso manter um estado permanente de relaxamento, que pode ser obtido de várias formas.
"Não existe doença, existe doente", diz o médico Cid Yazigi Sabbag, do Centro Brasileiro de Psoríase e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos e Assistência a Pessoas com Psoríase. "Apesar do surgimento de novas drogas -e há 36 drogas só para a psoríase no mundo-, elas não adiantam nada se o indivíduo não for tratado."

Doença de pele e sujeira
Há o risco ainda de tratamentos inadequados criarem um círculo vicioso, o que torna a cura ainda mais difícil. A pele funciona como uma espécie de cartão de visitas. Se os sintomas psicocutâneos provocam alterações visíveis, é comum que a pessoa apresente queda na auto-estima, insegurança e retração social, e essas novas emoções negativas podem agravar o problema. "As doenças de pele são confundidas com sujeira e com algo contagioso. Por isso a vida social do paciente é afetada", afirma a psicóloga Marisa Campio Müller, professora da PUC-RS.
Müller fez um estudo acompanhando, durante seis meses, o tratamento de portadores de vitiligo que haviam sofrido alguma perda de pessoas próximas ou algum abalo na própria saúde. Os pacientes foram divididos em dois grupos: um seguiu o tratamento convencional com dermatologistas e o outro recebeu também acompanhamento psicológico. Após seis meses, o primeiro grupo apresentou repigmentação de até 20% da pele; os que tiveram suporte psicológico tiveram até 80% da pele repigmentada.
"Os remédios são um alívio imediato para ajudar o paciente a sair de um círculo vicioso, mas tratamentos a longo prazo têm de ser feitos também com medidas não-medicamentosas", diz a dermatologista Ivonise Follador, professora da Escola Bahiana de Medicina, que estuda o impacto psicossocial da acne.
"O sucesso do tratamento é tanto maior quanto mais competente ou convincente for o suporte emocional. Recorrer ao psicoterapeuta é importante quando os limites de competência do dermatologista forem atingidos", diz a dermatologista Valeria Petri, coordenadora dos serviços de psoríase e vitiligo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela sugere também a participação do paciente em grupos de apoio. "São reuniões informais em que a informação científica se integra à necessidade de os pacientes e suas famílias exporem os sentimentos dos pacientes e de seus familiares."


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