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A ligação entre sistema nervoso e pele tem início no desenvolvimento do feto e explica as chamadas doenças psicocutâneas
Doenças na pele começam na mente
Jagadeesh NV/Reuters
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Parece um tabuleiro de jogo, mas é o ambiente de trabalho de um "call center" na Índia |
MICHELE OLIVEIRA
DA AGÊNCIA FOLHA
Rubor, palidez e suor nas mãos relacionados a emoções como embaraço, susto e nervosismo mostram a ligação íntima que existe entre a pele e o que se passa na mente. Nesses casos, o reflexo na pele acontece quase imediatamente e é inofensivo. Porém uma situação permanente de estresse, tensão ou ansiedade pode causar problemas mais graves,
que se manifestam por meio dos chamados
sintomas psicocutâneos, que incluem coceiras, ressecamento, manchas e descamação.
Aspectos emocionais podem estimular até o
aparecimento de doenças associadas à predisposição genética, como psoríase e alopécia
areata (pelada).
"O estado da pele é influenciado pelo que se
passa na mente. Certas doenças são desencadeadas por pensamentos, reflexões, preocupações ou estresse", diz o dermatologista do
Hospital Universitário de Brasília Roberto
Azambuja, que estuda a relação entre pele e
psiquismo e fundou a Sociedade Brasileira de
Dermatologia Integrativa - Brasil. A medicina
integrativa busca tratar a saúde levando em
conta a associação entre corpo, mente, emoções e espírito.
Ligação começa no feto
A conexão entre pele e sistema nervoso é anterior ao próprio nascimento. Ambos originam-se da camada externa do embrião, o ectoderma. Durante o desenvolvimento, essa camada dobra-se sobre si mesma, formando um tubo. A parede externa desse tubo transforma-se na pele,
e a interna, no sistema nervoso.
Durante toda a vida, as terminações nervosas "informam" a pele sobre o que está acontecendo na mente. "A pele é mais que um tecido
de revestimento. É o maior órgão do nosso
corpo e a nossa primeira barreira de defesa,
além de estar conectada aos pensamentos",
diz a dermatologista Iara Galiás Yoshinaga, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia Integrativa - Brasil.
A pele também reage aos hormônios do sistema nervoso central, afirma a dermatologista
Denise Steiner, diretora da Sociedade Brasileira de Dermatologia - Regional São Paulo. Para
preparar o organismo para reagir a uma situação ameaçadora, por exemplo, as glândulas
supra-renais aumentam a secreção de adrenalina e cortisol, o que prejudica o sistema imunológico. Como também possui características imunitárias, a pele acaba por ter sua função comprometida.
Até aquela espinha que surge bem no dia de
um evento importante ou na véspera de uma
prova pode não ser mera coincidência. Mais
adrenalina e cortisol significam maior produção de gordura pelas glândulas sebáceas, o que
pode agravar a acne.
Segundo Steiner, doenças de pele influenciadas por fatores emocionais -ou psicodermatoses- são divididas em três grupos. As
doenças auto-imunes como o vitiligo e as de
causa desconhecida como a rosácea reúnem a
maioria dos casos e têm em comum a dificuldade de atingir a cura e o alto índice de reincidência. Há ainda as doenças que se aproximam dos distúrbios psiquiátricos.
Tanto a prevenção como o tratamento das
psicodermatoses passam pela necessidade de
a pessoa desenvolver um processo de defesa
de emoções prejudiciais à pele. "Não é uma
pele doente, é uma pessoa que tem sintomas
de pele, advindos de um desarranjo sistêmico.
Se o estado emocional está causando aquilo,
não basta só passar remédio para pele", afirma
Azambuja. De acordo com ele, é preciso manter um estado permanente de relaxamento,
que pode ser obtido de várias formas.
"Não existe doença, existe doente", diz o
médico Cid Yazigi Sabbag, do Centro Brasileiro de Psoríase e vice-presidente da Sociedade
Brasileira de Estudos e Assistência a Pessoas
com Psoríase. "Apesar do surgimento de novas drogas -e há 36 drogas só para a psoríase
no mundo-, elas não adiantam nada se o indivíduo não for tratado."
Doença de pele e sujeira
Há o risco ainda
de tratamentos inadequados criarem um círculo
vicioso, o que torna a cura ainda mais difícil. A
pele funciona como uma espécie de cartão de visitas. Se os sintomas psicocutâneos provocam alterações visíveis, é comum que a pessoa apresente queda na auto-estima, insegurança e retração
social, e essas novas emoções negativas podem
agravar o problema. "As doenças de pele são
confundidas com sujeira e com algo contagioso.
Por isso a vida social do paciente é afetada", afirma a psicóloga Marisa Campio Müller, professora da PUC-RS.
Müller fez um estudo acompanhando, durante
seis meses, o tratamento de portadores de vitiligo
que haviam sofrido alguma perda de pessoas
próximas ou algum abalo na própria saúde. Os
pacientes foram divididos em dois grupos: um
seguiu o tratamento convencional com dermatologistas e o outro recebeu também acompanhamento psicológico. Após seis meses, o primeiro grupo apresentou repigmentação de até
20% da pele; os que tiveram suporte psicológico
tiveram até 80% da pele repigmentada.
"Os remédios são um alívio imediato para ajudar o paciente a sair de um círculo vicioso, mas
tratamentos a longo prazo têm de ser feitos também com medidas não-medicamentosas", diz a
dermatologista Ivonise Follador, professora da
Escola Bahiana de Medicina, que estuda o impacto psicossocial da acne.
"O sucesso do tratamento é tanto maior quanto mais competente ou convincente for o suporte
emocional. Recorrer ao psicoterapeuta é importante quando os limites de competência do dermatologista forem atingidos", diz a dermatologista Valeria Petri, coordenadora dos serviços de
psoríase e vitiligo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela sugere também a participação do paciente em grupos de apoio. "São reuniões informais em que a informação científica
se integra à necessidade de os pacientes e suas famílias exporem os sentimentos dos pacientes e de seus familiares."
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