São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2006
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S.O.S. família

Reuniões em família

Rosely Sayão

Parece que hoje ninguém mais sabe como viver sem fazer reunião. São reuniões de trabalho, na escola, por telefone, no almoço. São reuniões que se estendem por horas, e todo mundo reclama delas.
Nem as crianças estão livres dessa praga: as escolas estimulam o trabalho feito em grupo, e elas precisam se reunir além do horário escolar. Se elas são produtivas e cumprem esse objetivo, quem sabe?
Mas há um tipo de reunião de que não ouvimos falar com freqüência: a reunião familiar. E vejam que não me refiro às reuniões tradicionais e festivas que ocorrem em determinadas datas, já que nos aproximamos justamente dessa época. Eu me refiro às reuniões cotidianas entre todos os integrantes do grupo familiar.
A família não se reúne para conversar, cobrar responsabilidades, distribuir tarefas e avaliar a execução delas, contar e ouvir as histórias que vive cada um de seus integrantes e opinar a respeito delas.
Ouço queixas freqüentes de mães cujos filhos não colaboram com pequenas tarefas em casa, não cumprem suas obrigações de estudante, não organizam nem seus brinquedos.
Pois talvez uma das razões disso seja exatamente o fato de as crianças não saberem como funciona a família e qual o papel de cada um nesse grupo, a não ser observando e tirando suas próprias conclusões e recebendo orientações.
Não é fácil viver em família.
Trata-se de um conjunto de pessoas diferentes que têm algumas afinidades, compartilham sua vida e exercem papéis distintos e, no caso de pais e filhos, assimétricos. Fora da vida familiar, cada um tem um tipo de experiência e traz para o grupo, portanto, novos conhecimentos. Por isso, a família muda a cada dia, já que todos são diferentes a cada dia.
Além disso, o eixo principal em torno do qual se reúnem os integrantes da família são os afetos, e eles são muito dinâmicos. Todo sentimento tem mais de uma face, e elas se alternam no relacionamento familiar.
Por isso, para conseguir a adesão de todos nesse grupo e fazer com que ele funcione, de fato, como uma panelinha, é preciso atualizar constantemente as relações, as transformações e os pactos. E como fazer isso nesse corre-corre em que se transformou a vida? Talvez reuniões familiares regulares possam colaborar com a busca da configuração estável do grupo, mesmo que ela seja permanentemente provisória.
A família pode ser um universo envolvente em que seus integrantes aprendem a distinguir papéis (localizar o seu e respeitar o dos outros), a organizar o espaço e o tempo de modo a conseguir uma convivência integrante, a negociar conflitos, a reagir de maneira sadia frente ao que os outros esperam, entre outras experiências importantes. Mas, para tanto, é preciso fazer com que todos, principalmente os filhos, entendam e participem dos modos de funcionamento que estruturam o grupo.
Para que isso ocorra, é preciso promover o encontro -e não apenas de corpo presente- das pessoas que fazem parte da família, não é mesmo? O aprendizado solitário a respeito da família pode acabar por produzir um grande desencontro familiar, que é o que temos constatado de um modo geral. Entretanto, as reuniões familiares não podem seguir o padrão das profissionais. Não se trata de administrar a família como se administra uma empresa. Não é preciso uma tarefa ou um objetivo específico para reunir a família. É preciso apenas disponibilidade para falar, ouvir, silenciar, olhar nos olhos, expor-se, cobrar e reconsiderar. Assim, todos podem aprender que as frustrações que a vida familiar impõe levam a satisfações maiores e que as tradições de cada família não são simples caprichos, e sim valores que esse grupo cultiva.

[...] A família não se reúne para conversar, cobrar responsabilidades, distribuir tarefas e contar e ouvir histórias


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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