São Paulo, terça-feira, 16 de novembro de 2010
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NEURO

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

Sol para o cérebro com jet lag


Efeitos da mudança de fuso mostram: por mais que nossa vida siga o horário solar, não é ditada por ele


AH, OS PROBLEMAS da vida moderna. Enquanto éramos apenas bípedes e não tínhamos luz artificial, dormir e acordar eram questões simples, ditadas pelo horário do sol (e perturbadas no máximo por uma fogueira ou, mais tarde, um lampião). Impossível mudar de fuso horário no espaço de um dia quando somente se anda a pé.
Depois, vieram as viagens transatlânticas de navio, quando o horário solar ia mudando -mas lentamente, ao longo de vários dias.
E então... inventamos o avião, e com ele o deslocamento rápido entre meridianos no planeta. Ontem à noite estava em casa, no Rio, hoje já estou na Califórnia, a mais de 9.000 km de distância e cinco meridianos a oeste, mais o horário de verão.
Resultado: são onze da manhã aqui, mas meu cérebro acha que são cinco da tarde e meu almoço está mais do que atrasado. Minto: "almocei" às oito da manhã no Texas, quando para mim já era meio-dia, mas agora é hora de almoçar de novo. Ou será jantar?
O fato de sofrermos de jet lag é prova de que nossa vida, por mais que acompanhe o horário solar, não é ditada por ele -ou dormiríamos quando o sol se põe, qualquer que fosse o horário, e acordaríamos tranquilamente com o amanhecer local.
O descompasso com a mudança de fuso é sinal de que temos um relógio interno cerebral que regula nossos horários: um verdadeiro marcapasso, situado logo acima do ponto onde os nervos ópticos adentram o cérebro. Um lugar ideal, aliás, para uma estrutura que é informada pelos olhos sobre a luminosidade ambiente, que diz ao cérebro se é dia ou noite.
Mesmo se ficássemos no escuro absoluto por dias, manteríamos horários de dormir e acordar, mas com um ritmo de cerca de 25 ou 26 horas, não 24.
É essa característica do relógio interno que nos permite a adaptação a um fuso novo: diariamente, o relógio interno, mais longo do que o dia solar, é ajustado ao horário local dependendo da hora em que a luminosidade ambiente aumenta -por exemplo, quando saímos de casa e nos expomos ao sol.
Sair ao sol no novo fuso é, portanto, a melhor recomendação para se ajustar logo ao horário local. Por isso, vou aguentar firme até um horário razoável para adormecer aqui, talvez umas nove, e torcer para o cansaço me manter na cama ao menos até as 5 da manhã. Mas voar para oeste é fácil; voltar para casa é que vai ser complicado.


SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com


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