São Paulo, terça-feira, 16 de novembro de 2010
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ROSELY SAYÃO

JULIA, LUIZA E LUCAS


Eles estão sós, não falam porque acham que não serão ouvidos, e não acham nenhum adulto que os ajude


JULIA, 15 anos, cursa o primeiro ano do ensino médio e quer parar de estudar. Neste ano, seu aproveitamento escolar foi, segundo ela mesma, péssimo. Não estudou, as notas nas avaliações foram muito baixas e não conseguiu estabelecer relação com nenhum colega de classe.
A escola avisou aos pais que o ano já está perdido e que, apesar de ela ser bem comportada no espaço escolar, não rende nos estudos e está sempre isolada. A coordenadora sugeriu que os pais procurassem tratamento psicológico para a garota, porque ela pode estar deprimida por não ter conseguido se adaptar à nova escola, para a qual foi transferida neste ano.
Os pais têm uma hipótese: a de que a filha foi vítima de "bullying". Por isso, já têm uma solução para o problema -que é uma nova transferência de escola. Aliás, estão atualmente visitando escolas, conversando com coordenadores e consultando guias escolares para que, desta vez, façam uma escolha mais acertada.
E o que Julia acha? Ninguém perguntou para ela, assim também como ninguém escuta o que ela tenta dizer, de uma forma um tanto quanto atrapalhada. Julia tem uma única solução para o que considera seu problema: deixar os estudos. E tem também uma reclamação: ninguém a leva a sério.
Luiza, 16 anos, passa por uma situação delicada: está grávida. Mas, segundo a mãe, por pouco tempo. A família irá providenciar a interrupção da gravidez. Já o namorado de Luiza, assim que soube do fato, se apavorou. Disse à namorada que ele não podia contar aos pais, porque isso geraria problemas familiares muito graves. Pediu que ela conversasse com a mãe sobre o caso, porque sabia que esta seria mais compreensiva.
O que Luiza pensa a respeito de seu estado, da reação do namorado frente à situação e, ainda, da decisão tomada pela mãe para acabar com o problema? Talvez apenas sua melhor amiga saiba a resposta. Nenhum adulto com relacionamento próximo a ela conseguiu ou quis dialogar com ela a respeito. Luiza diz que isso não importa já que tudo será resolvido "da melhor forma".
Lucas entrou numa boa faculdade este ano. Foi sempre considerado bom filho e bom aluno. "Nunca me deu problema antes", diz a mãe. Acontece que frequentar a universidade parece ter sido um fato decisivo para tirá-lo de seu prumo. Pelo esforço e pela boa colocação no vestibular, ganhou como prêmio um carro, que ele já bateu três vezes. Agora, Lucas deu de passar noites fora sem avisar os pais e a beber em demasia. Atualmente, não pode usar o carro -e não contestou a decisão tomada pelos pais.
O jovem foi levado a um psiquiatra e com ele fez uma única consulta, mas se recusa a continuar o tratamento. Seu pai desconfia que ele usa maconha socialmente apenas. Por isso, não considera necessário conversar com o filho sobre isso. Ele próprio, quando estava na universidade, fez uso esporádico da erva. Quando perguntam a Lucas por que ele tem agido assim, sua resposta é sair de perto dos pais, em silêncio e cabisbaixo.
Julia, Luiza e Lucas representam muitos de seus pares na solidão em que se encontram. Não se entendem e não encontram nenhum adulto que os ajude a se entenderem melhor. Não falam porque acham que não são ouvidos.
Com quem nossos jovens contam -além dos especialistas aos quais são encaminhados- para falar de suas angústias, seus medos, suas insatisfações e até mesmo do tédio que experimentam em suas vidas ?
Qual é nosso papel e nossa responsabilidade para com eles?
Julia, Luiza e Lucas gostariam de saber quais respostas nós temos para essas suas questões.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)

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