São Paulo, quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
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Rosely Sayão

Quem fala mais alto mais alto

Será que temos diminuído nossa capacidade auditiva? Parece que a cada dia precisamos falar mais alto. Não é de se estranhar, já que a poluição sonora dos centros urbanos é cada vez pior e o nosso cotidiano é lotado de barulhos: lojas, bares e restaurantes tocam música em volume alto, e tudo isso faz com que falemos cada vez mais alto.
Como se não bastasse a dificuldade em ter vida privada -hoje quase tudo é público-, até nossas conversas ao telefone vazam para todos os lados porque falamos ao celular em lugares barulhentos e isso nos obriga a aumentar o tom de voz. Resultado: a gritaria é geral, e participamos como observadores de brigas conjugais, de discussões profissionais e até das broncas nos filhos.
As crianças têm aprendido conosco a falar bem alto. Estudos já foram feitos em diversas escolas para medir a intensidade do som. Mesmo sem a voz dos alunos, o ruído é alto demais e colabora para a perda da atenção e da concentração. É que não temos tradição em nosso país de cuidar da acústica escolar: os pisos e as paredes não são elaborados com materiais de isolamento acústico.
Com os alunos dentro, o ruído aumenta. No recreio, algumas escolas que fizeram medições constataram um nível de decibéis considerado prejudicial à saúde. É que nessa hora, ao barulho do entorno escolar, soma-se a gritaria do alunado. Em sala de aula, os professores elevam o tom de voz para serem ouvidos, os alunos os imitam, e quase ninguém mais fala: todos gritam. Em uma pesquisa feita com alunos, mais da metade considera existir uma única saída que permita ouvir a aula toda: sentar-se próximo ao professor. Isso significa que muitos alunos nem sequer ouvem o que o professor diz.
Em casa, muitos pais confundem seriedade ou firmeza com aumentar o volume da voz. Mas não é preciso subir os decibéis para ser obedecido ou levado a sério por crianças e jovens. Aliás, eles podem aprender a falar mais baixo, a regular o volume da voz de acordo com as situações e, principalmente, a ouvir e respeitar as pessoas com quem se relacionam. E, para tanto, é preciso que tenham bons exemplos.
Criamos um falso conceito: o de que a criança fala alto naturalmente e que isso é um sinal de que vive bem sua infância. Muitos adultos consideram que ensinar a criança a falar mais baixo é reprimir sua espontaneidade.
Conheço uma professora de educação infantil que se esforça para ensinar seus alunos a se comunicarem em um tom de voz suave. Claro que ela consegue, com muito esforço e depois de um tempo de convivência com os alunos. Mas muitas de suas colegas consideram sua sala "muito reprimida".
Na verdade, ensinar a criança a falar em tom suave e audível faz parte do ensino da comunicação verbal e é um fator importante do processo de socialização. Para chegar a isso, precisamos colocar em ação nossa capacidade de auto-regulação do tom de voz. Afinal: vamos ajudar o mundo a ser menos barulhento ou vamos continuar a agir como se só fossem ouvidos os que falam mais alto?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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