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Rosely Sayão
Quem fala mais alto mais alto
Será que temos diminuído nossa capacidade
auditiva? Parece que a
cada dia precisamos falar mais alto. Não é de se estranhar, já que a poluição sonora
dos centros urbanos é cada vez
pior e o nosso cotidiano é lotado de barulhos: lojas, bares e
restaurantes tocam música em
volume alto, e tudo isso faz com
que falemos cada vez mais alto.
Como se não bastasse a dificuldade em ter vida privada
-hoje quase tudo é público-,
até nossas conversas ao telefone vazam para todos os lados
porque falamos ao celular em
lugares barulhentos e isso nos
obriga a aumentar o tom de voz.
Resultado: a gritaria é geral, e
participamos como observadores de brigas conjugais, de discussões profissionais e até das
broncas nos filhos.
As crianças têm aprendido
conosco a falar bem alto. Estudos já foram feitos em diversas
escolas para medir a intensidade do som. Mesmo sem a voz
dos alunos, o ruído é alto demais e colabora para a perda da
atenção e da concentração. É
que não temos tradição em
nosso país de cuidar da acústica
escolar: os pisos e as paredes
não são elaborados com materiais de isolamento acústico.
Com os alunos dentro, o ruído aumenta. No recreio, algumas escolas que fizeram medições constataram um nível de
decibéis considerado prejudicial à saúde. É que nessa hora,
ao barulho do entorno escolar,
soma-se a gritaria do alunado.
Em sala de aula, os professores elevam o tom de voz para
serem ouvidos, os alunos os
imitam, e quase ninguém mais
fala: todos gritam. Em uma pesquisa feita com alunos, mais da
metade considera existir uma
única saída que permita ouvir a
aula toda: sentar-se próximo ao
professor. Isso significa que
muitos alunos nem sequer ouvem o que o professor diz.
Em casa, muitos pais confundem seriedade ou firmeza com
aumentar o volume da voz. Mas
não é preciso subir os decibéis
para ser obedecido ou levado a
sério por crianças e jovens.
Aliás, eles podem aprender a
falar mais baixo, a regular o volume da voz de acordo com as
situações e, principalmente, a
ouvir e respeitar as pessoas
com quem se relacionam. E, para tanto, é preciso que tenham
bons exemplos.
Criamos um falso conceito: o
de que a criança fala alto naturalmente e que isso é um sinal
de que vive bem sua infância.
Muitos adultos consideram
que ensinar a criança a falar
mais baixo é reprimir sua espontaneidade.
Conheço uma professora de
educação infantil que se esforça para ensinar seus alunos a se
comunicarem em um tom de
voz suave. Claro que ela consegue, com muito esforço e depois de um tempo de convivência com os alunos. Mas muitas
de suas colegas consideram sua
sala "muito reprimida".
Na verdade, ensinar a criança
a falar em tom suave e audível
faz parte do ensino da comunicação verbal e é um fator importante do processo de socialização. Para chegar a isso, precisamos colocar em ação nossa
capacidade de auto-regulação
do tom de voz. Afinal: vamos
ajudar o mundo a ser menos
barulhento ou vamos continuar a agir como se só fossem
ouvidos os que falam mais alto?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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