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Outras idéias - Dulce Critelli
O dom humano da fé
O movimento em torno da vinda do papa
ao Brasil me lembrou
da minha estréia como monitora da disciplina de
cultura religiosa na PUC-SP. Os
alunos discutiam um texto que
dizia que a fé era adquirida por
meio do batismo. Novata na filosofia, ignorante na teologia e,
sobretudo, pretensiosa como é
comum ser aos 18 anos, contestei o dogma, afirmando que a fé
era uma possibilidade natural
de todos os homens. Parecia-me, no mínimo, incongruente
que só os cristãos tivessem a
possibilidade da fé.
Demorei para entender que o
dom da fé e o ato da fé são coisas
distintas. Assim como nascemos com a possibilidade natural de falar, mas, para falarmos,
é preciso aprender uma língua
(ninguém simplesmente fala,
mas fala português, inglês, italiano...), o exercício da fé religiosa também implica o aprendizado e a introjeção de uma estrutura, que tem seus valores,
suas regras e sua doutrina, além
de ser compartilhada por um
povo ou por uma comunidade.
É isso que explica a existência das diversas religiões, cada
uma com suas interpretações e
sua maneira especial de lidar
com o sagrado.
Mas, existencialmente, a fé é
esse dom humano de simplesmente crer em algo, que tanto
pode ser um deus quanto a
ciência ou o fato de que alguém
nos ama e de que realizaremos
nossos objetivos...
Sem acreditar em alguma
coisa, ficamos às escuras e paralisados. As crenças nos fornecem os horizontes e os destinos
dos nossos pensamentos, palavras e obras. Elas são o alicerce
de todo o nosso poder de criar
mundo, vida, história. A fé não
move só montanhas mas também toda a nossa existência.
Li, em algum lugar, que o medo é a fé no mal. E, quando temos fé no mal, ficamos como se
estivéssemos aguardando que
ele aconteça, isto é, nos preparamos para sofrer o mal.
O mesmo acontece com todas as nossas emoções e todas
as nossas idéias, boas ou más.
Elas nos põem de frente para o
que pode acontecer e, de alguma maneira, nos empurram para que as coisas em que acreditamos, conscientemente ou
não, aconteçam. A vida responde à nossa fé, às nossas crenças.
E essa magia de fazer acontecer
uma realidade começa com os
nossos pensamentos e com as
nossas palavras.
Lembro Guimarães Rosa, falando pela boca de Riobaldo:
"...e como o que é para ser são as
palavras...". Lembro também
do Gênesis: "No começo era o
verbo..." e também "Deus disse,
faça-se a luz, e a luz foi feita". É
o poder de criar que começa pela palavra, mas se funda na
crença de que algo, como a luz,
pode ser feito.
[...] Sem acreditar em algo, ficamos às escuras; as crenças nos fornecem horizontes
dos pensamentos, palavras e obras
DULCE CRITELLI, terapeuta e consultora existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é
autora de "Educação e Dominação Cultural" e
"Analítica de Sentido" e coordenadora do
Existentia -Centro de Orientação e Estudos da
Condição Humana
dulcecritelli@existentia.com.br
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