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Outras idéias
Dulce Critelli
Batuque no tubinho
Era um sábado. Eu tinha saído para almoçar com uma amiga,
também professora
da PUC, e passamos na casa dela para mais um café. Sua faxineira abriu a porta e foi logo dizendo que o professor fulano
havia telefonado e deixara um
recado. Qual era? Que à noite
haveria "batuque no tubinho".
Quebramos a cabeça para decifrar o recado, que, por inúmeras razões, jamais poderia ser
aquele. Esgotadas as alternativas, ligamos para nosso colega.
Do que se tratava? Não, não era
"batuque no tubinho", era "debate no Tuquinha"!
Nunca as coisas são o que são
por si mesmas. Tudo o que vemos, ouvimos ou pensamos
vem embrulhado pelo repertório cultural do grupo ou da sociedade a que pertencemos. Independentemente do nosso
Q.I. ou da nossa instrução, somos incapazes de compreender, reconhecer e até mesmo
perceber coisas que estejam
muito fora de nosso universo
de experiências. No mais das
vezes, não se trata de coisas tão
inusitadas, mas da linguagem
que usamos para falar delas.
Li num estudo realizado por
lingüistas sobre um grupo de
nativos de uma ilha filipina que
não conseguia distinguir visualmente entre a cor vermelha e a cor laranja.
Constataram
que aquela dificuldade coincidia com o fato de tais pessoas
também terem, no seu vocabulário, só uma palavra para nomear ambas as cores.
Quando
foram associadas duas palavras
diferentes, uma para cada cor,
elas começaram a ver e a distinguir o vermelho e o laranja.
As palavras são nossos olhos
e nossos ouvidos e nos dão a feição da realidade. Aristóteles
definia o homem como um
"animal falante". Vivemos falando, e nossa linguagem funciona como uma bússola, que
guia as nossas compreensões e,
por paradoxo, determina nossas incompreensões e todos os
nossos mal-entendidos.
Não é a finalidade básica das
nossas conversas expressar
nossas diferenças, tanto quanto superá-las? Não passamos
quase todos os nossos dias tentando nos fazer entender ou
tentando convencer os outros
da verdade e do valor das nossas interpretações da vida e do
mundo? Não é conversando
que arranjamos companhia para nossas idéias e para a realização de nossos sonhos e projetos? E não é, também, conversando que acabamos por fazer
inimigos e adversários?
Mesmo que falemos a mesma
língua, raramente falamos a
mesma linguagem. E é ela que
nos une e nos separa, nos organiza em tribos, grupos, épocas
históricas, crenças e profissões.
Entre batuques e debates,
entramos e nos situamos no
mundo pelas mãos das palavras. Somos palavras.
[...] As palavras são nossos
olhos e nossos ouvidos e nos
dão a feição da realidade
DULCE CRITELLI, terapeuta existencial e
professora de filosofia da PUC-SP, é autora
de "Educação e Dominação Cultural" e
"Analítica de Sentido" e coordenadora do
Existentia -Centro de Orientação e Estudos da
Condição Humana
dulcecritelli@existentia.com.br
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