São Paulo, quinta-feira, 17 de agosto de 2006
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pele

Ioga com fungos

Tapetes compartilhados, falhas na limpeza e pés descalços favorecem desenvolvimento de micoses

Karime Xavier/Folha Imagem
A textura dos tapetes para ioga, mais áspera, evita escorregões, mas dificulta a limpeza do material, o que favorece a instação de fungos


IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Com movimentos e posturas que envolvem não apenas todo o corpo como também a mente, a ioga sempre foi considerada uma prática benéfica da cabeça aos pés. Há, porém, gente querendo excluir os pés da lista de benefícios. São os dermatologistas norte-americanos, que constataram um aumento de micoses causadas por fungos nos pés de praticantes. A causa, acreditam os médicos, é o uso compartilhado de tapetes ou colchonetes nem sempre higienizados devidamente.
Microorganismos causadores de doenças dermatológicas nos pés estão por toda parte e proliferam em lugares quentes e úmidos, como saunas, bordas de piscina, vestiários e sapatos fechados. E em salas de academias, sem distinção do tipo de atividade -podem estar igualmente no colchonete usado para os exercícios abdominais ou no tapete onde o aluno se senta em postura de lótus.
A diferença, que pode justificar a relação estabelecida entre as micoses de pé e a ioga, é o fato de os alunos estarem sempre descalços -algo difícil de ocorrer em outras aulas. "As células mortas da pele descamam e se depositam no colchonete. Se estiverem contaminadas com algum tipo de fungo, eles podem proliferar naquela superfície e ser transmitidos a outras pessoas", diz Luciane Scattone, das sociedades brasileira e americana de dermatologia.
"O risco é seriíssimo, e as escolas devem tomar cuidado", afirma Márcia de Luca, fundadora do Ciyma (Centro Integrado de Yoga, Meditação e Ayurveda). Para ela, o ideal é cada aluno ter o seu próprio tapete. O produto é vendido em lojas de material esportivo ou nas próprias academias, mas a maioria dos praticantes costuma compartilhar os tapetes empilhados no fundo das salas. Nesse caso, a recomendação é fazer a higienização do tapete com álcool ou produto desinfetante após cada uso.

Tudo zen
O dermatologista Cid Yazigi Sabbag, diretor da Sociedade Brasileira de Laser, suspeita que o clima zen da ioga faça com que os praticantes não prestem atenção a esse lado prático e prosaico da atividade. Os adeptos confirmam a hipótese. "Na aula, você fica centrada, entra em outro estado mental e nem se preocupa com esse tipo de coisa", diz a arquiteta Nádia Locanto, 48, aluna de ioga há mais de cinco anos.
Embora se alojem apenas nas camadas mais superficiais da pele, os fungos podem gerar doenças com reações desagradáveis, como coceira e vermelhidão. "Micoses são a terceira queixa mais freqüente nos consultórios", conta Ediléia Bagatin, professora do departamento de dermatologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela explica que os pés são uma região muito favorável ao desenvolvimento dos fungos e, nas ocasiões em que se está descalço, o risco de adquirir uma micose sempre vai existir. "Algumas pessoas são mais propensas, mas não sabemos o que causa a predisposição", diz Bagatin. Em todo caso, é bom ficar de olho em casos de lesão ou de pele muito seca, condições que podem favorecer a contaminação.
"Parar de fazer ioga por causa do risco de micoses não faz sentido. Há muita lógica nas preocupações dos [dermatologistas] norte-americanos, mas é bom lembrar que, nos EUA, há uma certa paranóia com a higienização, tudo deve ser estéril", pondera Davi Lacerda, dermatologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. "O princípio básico é limpar o tapete antes de utilizá-lo."
Os tapetes para ioga não são lisos -a textura mais áspera é importante para evitar escorregões durante as posturas, mas também facilita a instalação de fungos. É por isso que o engenheiro e professor de ioga Tom Nakano recomenda que cada praticante tenha o seu próprio tapete. "Quando o material é compartilhado, não há como garantir uma higiene perfeita", acredita. Em seu longo convívio com escolas de ioga, Nakano nunca observou alunos borrifando tapetes com álcool.

Cuidados básicos
Na contramão dos praticantes de ioga "desencanados", o arquiteto Max Gosslar, 43, diz ter ficado preocupado quando começou a freqüentar uma escola de ioga, há cerca de um mês. "Não existe material de limpeza disponível, e isso parece não incomodar ninguém. Talvez o clima muito amigável dê a impressão que até as micoses serão camaradas", diz.
Cuidados básicos são a recomendação unânime dos dermatologistas, tanto para os praticantes de ioga quanto para qualquer um que use tênis. Os principais são: sempre secar muito bem os pés; evitar andar descalço quando não estiver com a pele íntegra; lavar e arejar os sapatos (se a pessoa é suscetível a micoses, Bagatin recomenda o uso de pós ou sprays antimicóticos nos calçados); ter um tapete de ioga individual e higienizá-lo após cada aula; não andar descalço nas dependências de academias, piscinas, saunas, vestiários etc.
E, se apesar de todos os cuidados, a micose aparecer, os médicos alertam para o risco da automedicação: "O uso indevido de medicamentos antifúngicos está criando uma cepa de fungos mais resistentes e difíceis de tratar", afirma Sabbag.

[!] Microorganismos que causam doenças dermatológicas crescem em lugares quentes e úmidos , como saunas e vestiários


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