São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2010
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A primeira-dama da Ioga

Fonte de histórias, saúde e inspiração, Maria Helena Bastos Freire foi a professora mais incensada na edição 2010 do evento Yoga pela Paz

GREICE COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Muitos alunos da escola Narayana, fundada em Higienópolis há 66 anos por Maria Helena, não conhecem seu lado mais afetuoso.
"De mim, os alunos não têm os sorrisos; os novos até estranham, eu passo feito furacão. Cada um tem o seu papel, o meu não é o de agradar os outros. O meu é de correr atrás, de resolver as coisas."
Podemos acreditar que o principal papel desenvolvido por essa senhora de 82 anos foi -e é- o de disseminar a cultura da ioga no Brasil. "E no mundo", corrige ela.
Maria Helena, além de dirigir seu instituto, é presidente da International Yoga Coordinations Centre, com sede na Índia, do Colegiado de Yoga do Brasil - Dharmaparishad, da Associação Internacional de Professores do Brasil e da Federação de Yoga do Brasil. Também é autora de oito livros, e continua ativa na organização de congressos internacionais de ioga na Índia.

CORAGEM E DESAPEGO
Para essa primeira-dama da ioga no Brasil, os grandes atributos para a autorrealização, e que a ajudaram nesse caminho longo, são coragem e desapego.
Coragem não faltou nunca. Especialmente quando, em 1971, saiu de um congresso na Austrália direto para a Índia, com a incumbência de organizar aqui o primeiro festival internacional de ioga.
Na época, aquele país encontrava-se em guerra com o Paquistão, ela conta. "A última invasão tinha acontecido e eu estava a caminho. Não existia e-mail, e meu marido, aflitíssimo, mandou um telegrama me pedindo para voltar. Fingi que não recebi e fui assim mesmo."
Logo assinaram um tratado de paz e a professora foi a Calcutá, onde conheceu seu preceptor espiritual. "Rodei a Índia toda com um gravador enorme pendurado no pescoço, conhecendo, entrevistando e convidando professores para o congresso", diz.
Não havia turistas, muito menos mulheres ocidentais, o que despertou estranhamento, mas também a simpatia dos indianos. Maria Helena conseguiu uma audiência com a então primeira-ministra Indira Gandhi, que autorizou a saída de todos os convidados.
Já de volta ao Brasil, enfrentou dificuldades por ser mulher, pelo fato de o país viver na ditadura e, mesmo com boicotes e vistos negados, o congresso aconteceu.
"Quando você dá a sua palavra, tem que fazer, não é como hoje em dia que a palavra vira vento. Para isso, coragem é indispensável."
Confiança no que se faz também, ensina. "Tenho feito coisas incríveis porque confio, sei que vai dar certo. Nisso, ajuda um dos princípios do ioga: não adianta transferir a responsabilidade para os outros, para os santos, ela é só sua", filosofa.
A coragem parece um dom natural da professora, mas o desapego, nem tanto. "O apego é danado! Não percebemos nossos apegos, alguma mania, tudo é apego."
Seu maior obstáculo, confessa, é o apego com o tempo. "Ou melhor, com o aproveitamento do tempo. Não gosto de chegar no fim do dia, do ano e perceber que não aproveitei como deveria."
Talvez essa característica faça com que ela seja uma pessoa difícil de lidar. "Eu não sou fácil. Sou muito exigente comigo e com os outros", assume. Por outro lado, tem uma ligação estreita com sua equipe. Só aceitou receber a homenagem do evento ocorrido na última semana, com encerramento no parque do Ibirapuera, sob a condição de poder dividir, no palco, o troféu com representantes de todas as organizações que ela dirige.
Fácil ou não, Maria Helena equilibra experiência com doçura, tradição com tecnologia. Adora envelhecer: "É uma delícia. Cultivo a saúde, gosto de comer o que me faz bem, dormir o necessário, praticar posturas de ioga pelo menos três vezes por semana. Eu me respeito, gosto de mim, entende?", conta.
Usa no braço uma pulseirinha de silicone com holograma que promete efeitos como força e equilíbrio e é moda entre surfistas, praticantes de ioga e de outros esportes.
Atualiza-se com o filho e a nora, cientistas, que colaboram em seus cursos. Maria Helena não usa a palavra "guru". "Isso deturpou-se com a vinda dos mestres indianos ao Ocidente. A maioria conhecida aqui não é séria", critica.
A professora não parou de estudar. Mantém viva a mesma curiosidade que a levou à ioga -conta que, aos 13 anos, leu poemas épicos da Índia, descobertos na fazenda do avô. "Posso me considerar uma pessoa altamente feliz. A ioga diz que cada pessoa tem em si mesma essa possibilidade da realização da sua verdadeira identidade. Quando você procura a sua identidade, está praticando ioga."


GREICE COSTA é diretora editorial da revista "Yoga Journal"


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