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S.O.S. família - Anna Verônica Mautner
Idéias que desembestam
E os pais com tudo isso?
E o super-homem? E
a Barbie? E a violência dos joguinhos eletrônicos? Tudo tem a ver, e ninguém é culpado. De fato.
Meninas cheias de sonhos e
esperança morrem de inanição
ou subnutrição -os jornais dizem anorexia. O fato é que páginas e páginas são escritas sobre
o culto à magreza, o apego a um
só tipo de corpo, a um só modelo de beleza.
Dá susto em adultos sensatos
ver na mídia que jovens deixam
a vida com o corpo que queriam
ter. Que suicídio é esse?
Quero divagar um pouco pelo
mundo dos brinquedos, filmes
e histórias em quadrinhos que
essas meninas tiveram ao seu
dispor. Não ouso dizer que tal
boneca ou tal história em quadrinho seja culpada. Não quero
culpar nem pretendo entender
completamente essa tragédia.
No momento, eu me satisfaço
em lembrar, descrever e, quem
sabe, surpreender um pouco.
Lá vou eu com minhas memórias de novo! Lembro-me
dos bonecos rechonchudos,
que tinham bochechas coradas,
braços e pernas gorduchos. Dava vontade de cuidar deles.
Eram bonecos-bebês, e as de
hoje são bonecas-jovens.
Só que os bebês despertavam
nas crianças emoções gostosas,
como cuidar, alimentar e aquecer. As bonecas de hoje são só
para mostrar. Têm figura longilínea, roupas da moda, pernas e
braços longos.
Para os meninos, existiam os
soldadinhos de chumbo. Os bonecos masculinos de hoje são
os super-homens e o Ken (namorado da Barbie), que também são longilíneos e ostentam
musculatura harmônica.
Se quiserem crescer parecidas com seus bonecos, as crianças vão ter que fazer exercícios
de alongamento. Quem não luta, não malha, não faz dieta para ser como as bonecas com as
quais brinca peca contra si e
contra a cultura. É um fraco.
De tanta vontade que os pais
têm de não errar, acabam deixando os jovens sem tempo livre para brincar, inventar, crescer e se conhecer. E, quanto
mais aulas conseguem enfiar
no dia-a-dia dos jovens, mais se
sentem acertando.
Um campinho, uma bola de
verdade ou feita de meia e quatro tijolos -eis um campo de
futebol! Mas onde a gente vai
achar isso hoje em uma cidade?
Onde houver espaço livre, sem
trânsito e sem sabichões denominados modernamente de
monitores, orientadores, treinadores -sempre ali, criando,
sem dar espaço para que as
crianças o façam. E assim as
crianças só têm de obedecer,
submetendo-se aos adultos.
Quem brinca hoje de casinha
ou escolinha? Onde pode uma
criança correr livre? Isso tudo
precisa, para ser divertido, de
uma ausência: a do adulto vigilante. Com ele não tem graça.
Brincar no quintal sempre foi
um laboratório de criatividade.
Criança que podia brincar no
campinho sem supervisão próxima não sentia tédio, fazia os
deveres esperando a hora de
sair para brincar. Pobre criança
de hoje, para quem não adianta
terminar uma tarefa -depois
de uma aula, vem outra.
Não é à toa que a criança vem
sendo vista como estressada,
entediada, sem criatividade e
com pouca curiosidade. Entre a
geração que brincou com o boneco-bebê e a dos jogos eletrônicos, ocorreu uma ruptura.
Hoje percebemos uma solidão que é verdadeira. Os jovens
não dizem mais que querem ser
iguais aos adultos com os quais
convivem -ou diferentes deles.
Só se identificam com figuras
da mídia, das quais só conhecem a aparência.
Um lembrete: seres humanos livres encontram a si próprios e se conhecem. Os aprisionados conhecem melhor
seus guardiões do que a si mesmos. Se nós, adultos, toparmos
errar um pouco, os jovens e as
crianças poderão acertar.
ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed.
Ágora)
amautner@uol.com.br
CROCANTE
"Croc croc" talvez seja o som
universal que as crianças, os
adultos e os idosos mais gostam de ouvir quando estão comendo. A moda vai contra esse
barulhinho de coisa rachando,
quebrando dentro da boca. As
bolachas e os biscoitos estão na
mira das gorduras trans, assim
como todas as frituras. Estamos nós sem mais uma ilusão:
o "croc" dá impressão de mandíbulas poderosas. Tem algo a
ver com a auto-estima. Só sobrou a velha maçã para nos iludir.
FAZER JUNTO
As crianças gostam, e a relação
com os adultos se beneficia todas as vezes que algo puder ser
feito junto. Mas preste atenção: fazer junto não é mandar o
outro ajudar -ajudar não é divertido. Fazer uma bola de meia
pode ser esse tipo de tarefa. O
adulto e a criança podem apertar o recheio juntos, por exemplo, e não tem nada de "vem
ajudar"...
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