São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 2011
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Síndrome pós-reality

Ficar famoso de uma hora para outra nem sempre compensa a queimação de filme no mercado de trabalho e as consequências psicológicas de ser eliminado do programa

Alexandre Rezende/Folhapress
Hannah Epstein

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO
MARIANA PASTORE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O show mal começou, mas todo mundo já está pensando em quem vai sair. Está no ar mais uma edição do reality show mais visto no Brasil, o "Big Brother" (Globo).
Entre os participantes, a ideia de que o jogo é de cartas marcadas talvez ajude a aguentar o tranco da eliminação. Mas pouca gente discute as consequências psicológicas de quem é expulso desse tipo de programa.
Voltar à vida real depois de participar de um reality show é bem diferente do caminho da fama geralmente suposto. E o alívio de sair do confinamento pode não compensar sintomas como depressão e frustração.
Parece óbvio? Nem tanto. Podemos não saber as reais motivações de quem se candidata, mas é difícil alguém entrar no jogo achando que vai sair pior do que entrou.
"Claro que o participante sai achando que ficou conhecido, que "será alguma coisa". Mas a maioria não vê grande benefício na vida profissional, além de sofrer abalos no relacionamento com a família, com o namorado etc.", diz o psicólogo Marco Antonio de Tommaso.
Tommaso, que dá atendimento psicológico para modelos de grandes agências, foi convidado para dar assistência às eliminadas na primeira edição do reality "Brazil's Next Top Model" (Sony), em 2007.
Para ele, as participantes supervalorizam a oportunidade e subestimam o perigo. "Ficam sempre na dúvida se são amadas, a autoestima vai para o espaço."

SEM EMPREGO
A chance de se projetar na carreira é questionável. "O que mais ouço falar é de ex-participantes não conseguindo emprego", diz Tommaso.
Mesmo quem consegue não acredita ser mérito do reality. A modelo Mariana Richardt, 24, quarto lugar no "Next Top Model" de 2007, afirma que o programa não abriu muitas portas para ela.
"No meio da moda, não é bem visto ser conhecida como ex-reality show", afirma a modelo, hoje contratada por uma agência.
E não é só no mercado de modelos que essa associação aos programas é negativa, diz a psicóloga Mariá Giulise, consultora de carreira.
"A forma como a coisa foi concebida é inadequada. A carreira tem um percurso para ser construída, não há solução mágica."
Participar de reality shows relacionados à carreira profissional pode queimar ainda mais o filme do participante.
"Os jurados não julgam apenas o trabalho, vira humilhação pessoal. A pessoa acaba duvidando de seu próprio talento", diz Myres Verardi, analista comportamental do birô de tendências Observatório de Sinais, que elaborou o "Dossiê Reality" para o mercado.
Para Verardi, ser eliminado por um profissional pode ser pior do que pelos milhões de votos anônimos. "O jurado é reconhecido na área. Sua opinião é apresentada como se fosse uma avaliação objetiva em uma entrevista para emprego, mas não é."
O assédio moral praticado às claras amplifica a humilhação. "Esse modelo de relacionamento profissional é sério, dá processo. Nos programas, vira uma caricatura perversa", lembra Giulise.

AUDIÊNCIA
Mesmo assim, essas situações dão audiência. "Ver pessoas sendo humilhadas e submetidas ao ridículo representa o jogo de poder que não nos é permitido exercer", diz o sociólogo Dario Caldas, do Observatório de Sinais.
Caldas acredita que, para os participantes, o prêmio é secundário. "O que move é a possibilidade de existir para além do anonimato."
Essa existência é efêmera, na maioria dos casos. "Parece bacana, o sujeito cai na mídia direto. Mas é consumido tão rápido quanto um pacote de salgadinho", diz a psicóloga e psicanalista Marília Pereira Millan, professora da Universidade Paulista.
Autora de um trabalho sobre o tema, Millan explica que o confinamento mobiliza aspectos primitivos do funcionamento psíquico, como a agressividade e a violência.
"O participante entra em contato com uma parte desconhecida de si mesmo de forma abrupta. Quando sai, é difícil juntar os pedaços."


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