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SAÚDE
A vida com altos e baixos
Formas mais leves e crônicas de transtornos de humor, distimia e ciclotimia costumam ser confundidas com jeito de ser do paciente e demoram a ser diagnosticadas
FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
As mudanças de humor
da professora Adriana
Matielo, 27, eram até
motivo de brincadeira
entre seus amigos. Se num momento ela estava bem, "contando piada sobre qualquer coisa",
pouco tempo depois podia ficar
deprimida, "achando que o
mundo é uma droga".
As transformações ocorriam
de uma hora para a outra e, na
maioria das vezes, não dependiam de nenhum fator externo
-ela ficava feliz ou triste independentemente de qualquer
acontecimento bom ou ruim.
"Cheguei ao ponto de estar
dando risada e cinco minutos
depois passar a chorar copiosamente, achando que não merecia viver. Eu não sabia o que estava acontecendo, achava que
eu era apenas indecisa", relata.
Foi assim desde a adolescência,
até que, em 2002, depois de
uma crise que alternou um período de forte tristeza com outro de grande excitação, Adriana procurou um psiquiatra.
Foi quando recebeu o diagnóstico de ciclotimia -uma espécie de transtorno bipolar do
humor mais leve e crônico. Assim como aconteceu com
Adriana, é comum que os ciclotímicos demorem muito a saber que têm um problema, pois
normalmente acreditam que as
constantes mudanças de humor fazem parte do jeito de ser.
"As flutuações de humor fazem parte da vida, mas passam
a ser um distúrbio quando os
sintomas não são relacionados
a eventos do cotidiano, persistem na maior parte do tempo e
trazem sofrimento e prejuízo
psicológico e social", explica o
psiquiatra Ricardo Moreno, diretor geral do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas do IPq
(Instituto de Psiquiatria), do
Hospital das Clínicas da USP
(Universidade de São Paulo), e
um dos autores do livro "Distimia: do Mau Humor ao Mal do
Humor" (Artmed).
A ciclotimia se caracteriza
pela alternância, por ao menos
dois anos, entre uma depressão
mais leve e fases de hipomania.
Mais branda do que a mania,
que costuma se traduzir em
comportamentos francamente
inadequados e às vezes exige
até internação psiquiátrica, a
hipomania é um estado de exaltação do humor caracterizado
por hiperatividade, rebaixamento da crítica, grandiosidade
e irritabilidade.
"A pessoa fala mais, fica mais
livre de censura, impulsiva, sexualizada. Ela corre mais risco,
compra mais, dorme menos",
diz o psiquiatra José Alberto
del Porto, professor da Unifesp.
Se a princípio essa sensação
costuma ser considerada benéfica -tanto que, em geral, os
pacientes só chegam ao médico
nos momentos de depressão-,
os especialistas afirmam que
pode trazer prejuízos.
"Era muito ruim. Eu comprava
coisas sem ter dinheiro, fiquei
com dívidas, passei a beber
mais sem me preocupar com
nada", conta Adriana.
Diagnosticado há um ano
com ciclotimia, o estudante mineiro Bruno (nome fictício), 23,
também passou a abusar do álcool -e foi essa ingestão excessiva que o levou ao psiquiatra.
Ele conta que sempre teve descontrole nos gastos e costumava mudar de humor facilmente
-mas só via problema nas fases
depressivas.
Na psicoterapia, ele percebeu que suas crises de hipomania estavam trazendo malefícios. "Você se sente ótimo, quer
sair mais, beber mais, fica mais
criativo. Não é ruim, mas me
trouxe prejuízos financeiros e
sociais. Percebi que é muito pesado para o meu corpo."
Hoje, medicado, ele se define
como estável, mas diz que fica
um pouco confuso com a mudança no comportamento. "A
gente fica sem saber direito
quem a gente é, o que é nosso e
o que é do transtorno."
Distimia
Outro transtorno de humor
que costuma demorar a ser descoberto é a distimia. Se a ciclotimia é uma espécie de distúrbio bipolar mais brando e crônico, a distimia é um tipo de depressão também mais leve e
persistente por ao menos dois
anos, que muitas vezes é confundida com a personalidade
da pessoa -que é tida como
acomodada, negativa etc.
Foi o que aconteceu com a
tecnóloga em logística Carolina
Montes, 30, diagnosticada com
distimia em 2004. "Desde o início da adolescência, eu sentia
muito desânimo, tristeza. Não
era uma depressão muito forte,
mas eu ficava muito em casa,
não me sentia como as outras
pessoas da minha idade."
Hoje, ela faz tratamento e terapia e diz que, apesar de ainda
ter altos e baixos, sentiu melhora. "Faço o que tem que ser feito, sigo em frente. Há algum
tempo eu não conseguiria."
"Os distímicos se adaptam e
conseguem funcionar, mas
abaixo do seu potencial máximo de capacidade", define Moreno. Segundo ele, a distimia é
um problema de saúde pública
-atinge 4% da população.
Não há dados sobre a prevalência de ciclotimia, mas sabe-se que, enquanto o transtorno
bipolar tipo 1 (o mais grave)
afeta cerca de 1% da população,
se for considerado todo o espectro bipolar (que inclui a ciclotimia) aproximadamente
5% das pessoas são atingidas.
A distimia e a ciclotimia não
têm cura, mas têm tratamento
-com antidepressivos e estabilizadores de humor, respectivamente. Também pode ser indicada a psicoterapia.
[...]
"AS FLUTUAÇÕES DE HUMOR PASSAM A SER UM DISTÚRBIO
QUANDO OS SINTOMAS NÃO SÃO RELACIONADOS A
EVENTOS, PERSISTEM E TRAZEM SOFRIMENTO"
RICARDO MORENO
psiquiatra
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