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ROSELY SAYÃO
Cuidado ao falar
"Os ouvidos não
têm pálpebras,
por isso não podemos nos proteger dos barulhos que não queremos ouvir." Essa frase, dita
por uma professora de música
em uma reunião de pais, me fez
pensar muito na vida das crianças na atualidade.
Você já observou uma delas
assistindo a um filme? Quando
surge uma cena que ela não
quer ver, fecha os olhos. Até
adultos fazem isso. As pálpebras são uma espécie de proteção do sentido da visão: acionadas intencionalmente, nos protegem de visões que nos causam asco, medo ou repulsa, por
exemplo. Desde cedo, a criança
aprende a usar esse recurso.
Já do que se fala em seu entorno as crianças não podem se
proteger. Hoje, os adultos não
têm tomado muito cuidado
quando conversam entre si
perto de crianças e isso acontece por vários motivos. Um dos
principais é que a presença da
criança no mundo adulto foi
quase naturalizada. De modo
geral, não consideramos mais
nocivo que ela participe de
acontecimentos próprios da vida adulta. Para não sonegar informações que ela solicita ou
que acreditamos que ela deva
ter, lhe dizemos quase tudo.
O segundo motivo é que nós,
adultos, estamos muito centrados em nossas próprias vidas.
Quando queremos desabafar,
tecer comentários diversos,
contar segredos, tecer julgamentos de pessoas próximas ou
com as quais mantemos relações impessoais, fazemos isso
sem antes observar se há crianças por perto que estariam expostas ao que dizemos.
E, além de a criança absorver
tudo sem ter maturidade suficiente para dar um sentido
apropriado ao que ouve, ela fica
sempre pronta a expressar o
que ouviu, a qualquer hora e na
frente de qualquer um, já que
não é capaz de guardar segredos -o que coloca seus pais em
situações constrangedoras.
Uma mãe me contou que, ao
entrar no elevador com a filha
de cinco anos, encontrou-se
com uma vizinha. De pronto, a
menina disse em alto e bom
som: "Mãe, é dessa mulher que
você não gosta?" Nem é preciso
dizer o clima que se instalou
entre as duas, que convivem no
mesmo prédio.
Em uma escola de educação
infantil, a professora acabara
de contar uma história que falava em pesadelos e sonhos.
Uma criança disse que a mãe
sempre tinha pesadelos porque
gemia à noite e, na sequência,
outras crianças comentaram o
mesmo a respeito dos pais.
Nossa preocupação deve ser
com o que a criança ouve e passa a fazer parte de sua formação
ou deformação, em alguns casos moral, tanto quanto com
aquilo a que ela dá um sentido
que interfere radicalmente em
sua vida psíquica e emocional.
Um garoto de nove anos entrou em estado de apatia porque ouviu seus pais tratarem de
sua transferência de escola. A
mãe disse que talvez fosse melhor uma escola mais fácil porque ele não era tão inteligente
quanto o irmão mais velho.
Já que não conseguimos controlar tudo o que a criança ouve, podemos ao menos poupá-la dos ruídos indesejáveis a ela.
Para tanto, precisamos ser
mais cuidadosos na presença
dos mais novos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@uol.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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