São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2010
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O bem que ela nos faz


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A pelada também é capaz de sublimar os mais baixos instintos de um macho; Depois da confraria esportiva, um ho-mem vira um cavalheiro no trânsito até mesmo diante de uma "fechada" na curva


XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Motivo de desconfiança de algumas mulheres, a bendita pelada noturna entre amigos raramente é usada como desculpa para que o homem pratique, olimpicamente, um outro esporte tão popular quanto: o pulo à cerca.
O peladeiro contumaz sacraliza de um modo o encontro com os seus párias que acha imperdoável fazer do ato recreativo um álibi para a fuga. Ele quer mais é aproveitar todos os minutos do ritual ludopédico. Até mesmo quando está machucado, vai lá, grita na beira da quadra/campo, desafoga e não perde a cerveja pós-jogo -aí é a hora da boa "baixaria" dos marmanjos, o segundo tempo, o autêntico "relax for man".
Quanto mais canalha, mais fiel o homem é à sua pelada. É o que se pensa no mundo dos futebolistas amadores. Seja ele hipertenso ou muito saudável. Nada de ciência no tal conceito, porém, faz parte do folclore de uma das instituições mais respeitadas pelos brasileiros, a reunião em torno de uma bola.
E como faz bem a todas as categorias de marmanjos, tanto aos virtuosos como aos "delinquentes" no amor. É visível o grau de satisfação, parece que deixamos ali inclusive as broncas caseiras que guardamos das famosas "DRs", as discussões de relacionamentos.
A pelada também é capaz de sublimar os mais baixos instintos de um macho. Depois da confraria esportiva, um homem vira um cavalheiro no trânsito até mesmo diante de uma "fechada" na curva. Um assassino profissional, já testemunhei no extinto Carandiru, vira um Gandhi depois da prática futebolística.
Existem dois tipos de peladeiro: o mais tenso, que quer ganhar a todo custo e faz do embate uma guerra; o mais tranquilo, que vê um jogo como algo lúdico, divertido, sem visar tanto o resultado. Ao fim da peleja, ambos se equivalem: normalmente um está rindo da cara do outro.
Por mais que seja um craque e faça bonito em campo, o homem prefere, geralmente, não ser acompanhado por uma torcida feminina integrada pela mulher, filhas ou colegas de firma, por exemplo. No seu ritual da testosterona pura, o macho faz de tudo para evitar tais fãs na plateia. Ele se sente mais à vontade para explodir, o que é muito desopilante, e para não se envergonhar da criancice explícita que se manifesta no religioso espetáculo.
Em uma pelada típica, mesmo em um jogo de tiozinhos quarentões, a impressão é que nenhum homem atingiu ainda a maioridade.


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