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São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003
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Os pais da classe média brasileira, inseguros com a idéia de enfrentar a vida sem os filhos, retardam a maturação das crianças

Universitários brasileiros X trabalho

Uma das marcas registradas da cultura "jovem" brasileira é a resistência de universitários da classe média a arrumar um emprego de meio expediente. Esses pós-adolescentes não concebem a idéia de meter a mão na massa, a não ser que seja na "massa" da areia da praia. Mas, se eles se aventurassem, mesmo que timidamente, no mercado de trabalho, poderiam obter a independência que muitos desejam cada vez mais.
Uma coisa que impede esses jovens de buscar empregos é a idéia de que trabalhar em um restaurante, escritório ou mesmo em uma butique é degradante ou humilhante, abaixo de sua classe social. Por quê? Apesar de o Plano Real ter demolido boa parte de seu poder aquisitivo, a classe média brasileira, mesmo reduzida, mas com potencial para ascensão social, ainda é privilegiada.
Os jovens brasileiros dessa classe social desenvolveram esse senso de privilégio em parte graças à decisão da família de manter empregados e babás em tempo integral. Esses trabalhadores malpagos ensinaram aos meninos e meninas, desde que começaram a limpar a bagunça que faziam, que tarefas domésticas são trabalho de classes mais baixas. Por isso pedir a um adolescente de classe média que ajude a lavar a louça é quase uma declaração de guerra.
Alguns desses jovens privilegiados continuam a viver em casa durante a faculdade porque estão viciados nas mordomias caseiras. Quando passam da adolescência, muitos param de ver os limites impostos pelos pais como sinal de amor e passam a vê-los como algemas em sua independência. Mas eles sentem que conseguir um emprego de meio expediente -o passaporte para um apartamento alugado e uma vida livre dos limites paternos- é socialmente degradante. Ou eles não têm a determinação necessária para consegui-lo.
Terminar a faculdade no Brasil pode levar tempo -levando-se em conta o cursinho pré-vestibular e as mudanças de faculdade ditadas pelo interesse acadêmico mutável. Por isso a garotada pode estar cursando o ensino superior até 20 e tantos anos e ainda vivendo em casa. Isso se aplica especialmente a estudantes que seguem para cursos de pós-graduação imediatamente após a formatura.
Os pais da classe média brasileira, inseguros com a idéia de enfrentar a vida sem os filhos, retardam a maturação das crianças, primeiro, isentando-as das tarefas domésticas e, mais tarde, desencorajando-as de conseguir qualquer emprego até depois da formatura.
Mas, nos Estados Unidos, minha pátria, a maioria dos pais acredita que, quanto antes os jovens saírem de casa depois do ensino médio, mais preparados estarão para enfrentar a dura realidade da vida. Meus pais não se opuseram a mim quando quis ir à faculdade em outro Estado. O emprego que consegui aos 16 anos como atendente em uma lanchonete e o que arrumei aos 18 na biblioteca da universidade ajudaram a financiar a mudança.
Os brasileiros argumentam que, neste país, diferentemente dos Estados Unidos, esse tipo de emprego não paga o bastante para financiar a saída. Sei que a realidade econômica deste país é mais dura do que a dos Estados Unidos. Mas também acho que os universitários brasileiros de 20 a 25 anos conseguem encontrar o tal emprego, ainda mais se os pais derem uma força quando necessário.
E, se os pais ou o governo pagarem pelo custo dos estudos e se o emprego que o jovem arrumar pagar R$ 500 por mês, o estudante já conseguirá dividir um apartamento simples em um bairro não muito caro do Rio ou de São Paulo com um ou dois amigos.
É verdade que um estudante que fizer essa mudança vai viver de forma espartana e vai precisar da ajuda dos pais em tempos de aperto. Mas os que optam por esse estilo de vida talvez nunca mais queiram voltar ao luxo da casa dos pais. Podem descobrir que a independência de viver sob seu próprio teto vicia bem mais do que as mordomias caseiras.


MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 20 no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro", recém-lançado pela editora Record; site: www.michaelkepp.com.br


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