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outras idéias michael kepp
Os pais da classe média brasileira, inseguros com a idéia de enfrentar a vida sem os filhos, retardam a maturação das crianças
Universitários brasileiros X trabalho
Uma das marcas registradas da cultura "jovem" brasileira é a resistência de universitários da classe média a arrumar um emprego de meio expediente. Esses pós-adolescentes não concebem a idéia de meter a mão na massa,
a não ser que seja na "massa" da areia da praia. Mas, se eles se
aventurassem, mesmo que timidamente, no mercado de trabalho, poderiam obter a independência que muitos desejam
cada vez mais.
Uma coisa que impede esses jovens de buscar empregos é a
idéia de que trabalhar em um restaurante, escritório ou mesmo em uma butique é degradante ou humilhante, abaixo de
sua classe social. Por quê? Apesar de o Plano Real ter demolido boa parte de seu poder aquisitivo, a classe média brasileira,
mesmo reduzida, mas com potencial para ascensão social,
ainda é privilegiada.
Os jovens brasileiros dessa classe social desenvolveram esse
senso de privilégio em parte graças à decisão da família de
manter empregados e babás em tempo integral. Esses trabalhadores malpagos ensinaram aos meninos e meninas, desde
que começaram a limpar a bagunça que faziam, que tarefas
domésticas são trabalho de classes mais baixas. Por isso pedir
a um adolescente de classe média que ajude a lavar a louça é
quase uma declaração de guerra.
Alguns desses jovens privilegiados continuam a viver em casa durante a faculdade porque estão viciados nas mordomias
caseiras. Quando passam da adolescência, muitos param de
ver os limites impostos pelos pais como sinal de amor e passam a vê-los como algemas em sua independência. Mas eles
sentem que conseguir um emprego de meio expediente -o
passaporte para um apartamento alugado e uma vida livre
dos limites paternos- é socialmente degradante. Ou eles não
têm a determinação necessária para consegui-lo.
Terminar a faculdade no Brasil pode levar tempo -levando-se em conta o cursinho pré-vestibular e as mudanças de
faculdade ditadas pelo interesse acadêmico mutável. Por isso
a garotada pode estar cursando o ensino superior até 20 e tantos anos e ainda vivendo em casa. Isso se aplica especialmente
a estudantes que seguem para cursos de pós-graduação imediatamente após a formatura.
Os pais da classe média brasileira, inseguros com a idéia de
enfrentar a vida sem os filhos, retardam a maturação das
crianças, primeiro, isentando-as das tarefas domésticas e,
mais tarde, desencorajando-as de conseguir qualquer emprego até depois da formatura.
Mas, nos Estados Unidos, minha pátria, a maioria dos pais
acredita que, quanto antes os jovens saírem de casa depois do
ensino médio, mais preparados estarão para enfrentar a dura
realidade da vida. Meus pais não se opuseram a mim quando
quis ir à faculdade em outro Estado. O emprego que consegui
aos 16 anos como atendente em uma lanchonete e o que arrumei aos 18 na biblioteca da universidade ajudaram a financiar
a mudança.
Os brasileiros argumentam que, neste país, diferentemente
dos Estados Unidos, esse tipo de emprego não paga o bastante
para financiar a saída. Sei que a realidade econômica deste
país é mais dura do que a dos Estados Unidos. Mas também
acho que os universitários brasileiros de 20 a 25 anos conseguem encontrar o tal emprego, ainda mais se os pais derem
uma força quando necessário.
E, se os pais ou o governo pagarem pelo custo dos estudos e
se o emprego que o jovem arrumar pagar R$ 500 por mês, o
estudante já conseguirá dividir um apartamento simples em
um bairro não muito caro do Rio ou de São
Paulo com um ou dois amigos.
É verdade que um estudante que fizer essa
mudança vai viver de forma espartana e vai
precisar da ajuda dos pais em tempos de
aperto. Mas os que optam por esse estilo de
vida talvez nunca mais queiram voltar ao
luxo da casa dos pais. Podem descobrir que
a independência de viver sob seu próprio
teto vicia bem mais do que as mordomias
caseiras.
MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 20 no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro", recém-lançado pela editora Record; site: www.michaelkepp.com.br
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