São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2008
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ROSELY SAYÃO

Adolescência antecipada

A garotada de dez e 11 anos não se identifica mais como criança.
Responsabilidade nossa, que temos tido toda a pressa do mundo para colocar as crianças no mundo adulto.
Conversamos com crianças pequenas e oferecemos explicações como se pudessem entender a complexidade de determinados fatos do mundo adulto e lidar com eles; estabelecemos pequenos contratos (os "combinados") como se elas tivessem o mesmo estatuto do adulto e pudessem cumprir sua parte; fazemos com que freqüentem locais antes exclusivos dos adultos com a desculpa de que precisam conhecer o estilo de vida dos pais; exigimos que façam escolhas como se já soubessem arcar com a renúncia e tivessem autonomia para tanto e, para coroar, chamamos as crianças da idade mencionada de pré-adolescentes.
Bem, isso gera inúmeras conseqüências, e vou tratar de uma bem importante: a entrada precoce das crianças dessa idade no relacionamento erótico-afetivo. Por sinal, uma leitora que é mãe de uma garota de 11 anos constatou que crianças dessa idade -e até de um pouco menos- têm solicitado aos pais permissão para namorar. Eu já percebi também que crianças dessa mesma faixa de idade usam ofensas de caráter erótico para intimidar colegas.
Quando as crianças pedem licença aos pais para namorar, é preciso ouvir o pedido além das palavras pronunciadas. Crianças dessa idade não costumam pedir autorização para transgredir regras, para fazer o que querem, mesmo que escondido. Elas fazem mesmo sabendo que não deveriam. Se pedem, é sinal de que não conseguem dar conta sozinhas e de que precisam do adulto.
A vontade de "namorar" foi plantada de inúmeras formas e elas nem sabem se querem mesmo. É bem provável que não, já que ainda têm outros interesses muito mais pertinentes ao mundo infantil. Mas, do mesmo modo que não têm discernimento para perceber isso, não têm condições de fazer frente à pressão social para que assim se comportem.
Talvez seja exatamente a proibição dos pais o que elas buscam e do que precisam. Afinal, é muito mais fácil responsabilizar o "pai careta" ou a "mãe chata" por qualquer restrição ou diferença. É preciso também ouvir a idéia que elas têm sobre namoro. Quando uma garota que completaria 11 anos me contou que tinha namorado, perguntei o que faziam juntos. "Fico encostada nele, pego na mão, beijo", disse. Quando perguntei se também conversavam, ela reagiu com um sorriso e um suspiro, que interpretei como "Em que mundo você vive?".
É isto: a idéia que as crianças têm de namoro -construída com nossa permissão- está ligada às sensações corporais apenas, não mais ao diálogo que busca o conhecimento mútuo, tampouco às emoções e ao compromisso.
Como assinalou a leitora, não dá para os adultos encararem essa situação como uma "inocente brincadeira de faz-de-conta". Não nessa idade. Isso ocorre antes dos seis anos, quando as crianças imitam a vida dos adultos.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br



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