São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2007
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

nutrição infantil

Impróprio para menores

Isotônicos, alimentos diet, com baixo teor de gordura, enriquecidos com fibras ou à base de soja podem ser bons para adultos, mas devem ser dados com moderação a crianças

Alex Almeida/Folha Imagem
Gabriela Marttiazzi Bio, que adora salada, frutas e alimentos diet

JULLIANE SILVEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


Os fosfatos presentes nas bebidas gaseificadas propiciam desmineralização óssea e desgaste do esmalte dos dentes

E la não abre mão de tomar refrigerante diet e achou ótimo o último bolo de chocolate que comeu, feito com adoçante artificial. Não, não se trata de nenhuma mulher preocupada com o excesso de peso. Quem adora produtos sem açúcar -e não tem tendência nenhuma a engordar- é Gabriela Marttiazzi Bio, de apenas quatro anos. A menina também prefere proteína de soja a carne vermelha e não gosta de sanduíches das redes de fast-food.
Se você acha que por isso ela é mais saudável do que as outras crianças, saiba que não é bem assim. Os produtos dietéticos podem não conter açúcar nem colesterol, mas não devem fazer parte da dieta infantil de maneira irrestrita. A mãe de Gabriela, a psicóloga Anna Laura Marttiazzi, 28, sabe disso e já buscou vários especialistas para tentar equilibrar o cardápio da filha.
O mesmo ocorre com outros alimentos cada vez mais consumidos pelos adultos e que, em muitos lares, acabam integrando as refeições de toda a família, inclusive as dos pequenos: bebidas isotônicas e produtos com baixo teor de gordura, com adição de fibras e à base de soja são alguns exemplos.
A restrição se explica pelo fato de as crianças terem necessidades nutricionais específicas, que normalmente não são supridas com o consumo desses alimentos. "O recomendado, sempre, é buscar produtos in natura, que são fontes naturais de nutrientes", aconselha a pediatra Roseli Sarni, presidente do departamento de nutrição da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).
Além disso, nessa fase, as crianças estão desenvolvendo hábitos alimentares para a vida inteira, que serão influenciados pelo que comem agora. Uma pesquisa da Universidade de Alberta (Canadá), divulgada em agosto na publicação "Obesity", mostrou que a ingestão de alimentos diet pode prejudicar a relação entre consumo e ganho calórico em crianças e levar à obesidade no futuro.
Os pesquisadores acreditam que a aptidão para balancear a quantidade de calorias ingeridas com as necessárias ao organismo envolve a habilidade de aprender que o gosto da comida prediz o valor calórico consumido. "Quando as crianças aprendem a selecionar itens dos grandes grupos alimentares (gorduras, proteínas e carboidratos), elas não são condicionadas a associar sabor com baixas calorias. Isso evita que comam demais quando os mesmos sabores aparecem em alimentos regulares", disse à Folha David Pierce, coordenador da pesquisa.
"As crianças precisam aprender a comer porções equilibradas, mas não necessariamente alimentos para fins específicos. É preciso aprender a controlar a quantidade ingerida", acrescenta Cláudia Cozer, endocrinologista e diretora da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).
Entenda, a seguir, por que alguns produtos que fazem parte da alimentação dos adultos devem ficar de fora das refeições dos pequenos -ou, no máximo, aparecer esporadicamente.

enriquecido com fibras

Há diversas alternativas de produtos com fibras extras em sua composição, que prometem regular o funcionamento do intestino. As crianças, porém, são mais sensíveis ao excesso dessa substância e podem sofrer de gases, cólicas e desarranjos intestinais. Como é difícil medir a quantidade ideal para os pequenos, o melhor é evitar esses alimentos e priorizar o consumo de frutas, verduras, legumes e cereais integrais para atingir a cota diária de fibras recomendada.
O excesso de fibras também pode prejudicar a absorção de nutrientes, especialmente do ferro. Cláudia Cozer, da Abeso, acrescenta que também prejudica a assimilação de cálcio, gorduras e vitamina D pelo organismo, o que pode até atrapalhar o crescimento da criança. "Os alimentos enriquecidos fornecem fibras suplementares quando ingeridos em pequena quantidade. Mas produtos como farelo de trigo e barrinhas de cereais, quando em excesso, podem atrapalhar a absorção dos minerais."
Edir Bortotto, nutricionista do Sesi (Serviço Social da Indútria) de São Paulo, diz que as fibras insolúveis -presentes em cereais integrais- podem aliviar constipações, mas ressalta que é preciso ingerir bastante líquido para que tenham esse efeito. Já as fibras presentes nos alimentos chamados de prebióticos equilibram a flora intestinal, melhoram a absorção de cálcio e diminuem a retenção de gorduras saturadas pelo organismo.
O ideal, segundo os médicos, é que a criança consuma esses alimentos funcionais de forma esporádica.

com baixo teor de gordura

Apesar de não serem recomendadas em excesso, as gorduras são necessárias ao desenvolvimento da criança. Segundo o pediatra Ary Lopes Cardoso, responsável pela unidade de nutrologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), elas devem responder por 30% das calorias ingeridas diariamente pelos pequenos. "As gorduras contribuem para a renovação das membranas do corpo, como as que revestem as células cerebrais e as da retina", diz. A falta desse elemento pode causar deficiência visual, problemas hormonais, atraso no crescimento e diminuição da capacidade intelectual.
Um estudo da Universidade da Pensilvânia (EUA), publicado no "Nutrition Journal" em agosto, mostrou que crianças de seis a dez anos queimam mais gorduras do que adultos, pois seu organismo trabalha com taxas mais altas de síntese protéica, de armazenamento de lipídios e de crescimento ósseo.
Porém, se a substituição ocorrer em um alimento isolado -uma margarina light, por exemplo-, não há problemas, pois as gorduras estão presentes em outros alimentos de consumo diário.
Crianças obesas podem até consumir esses produtos como auxiliares na redução de peso, mas, preferencialmente, devem diminuir as porções do alimento integral. "Não se deve estimular a criança a fazer trocas. É a reeducação alimentar que reduz o peso e melhora a qualidade de vida", diz Edir Bortotto, do Sesi de São Paulo.

bebidas isotônicas

Desenvolvidos para hidratar esportistas adultos, os isotônicos têm sido utilizados por crianças e adolescentes para substituir água e sucos de frutas. "Essas bebidas podem provocar um desequilíbrio nas quantidades de sódio e de potássio do organismo", diz o pediatra Mauro Fisberg, do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Em abril, o Instituto de Medicina dos EUA alertou as escolas para que vendessem esse tipo de bebida só a crianças que praticassem mais de uma hora de exercícios diários. Depois, a Universidade da Califórnia divulgou que estudantes que tomavam diariamente cerca de 600 ml do produto poderiam engordar até seis quilos no fim de um ano.
O consumo de isotônicos por crianças que praticam atividades normais da idade ou esportes como entretenimento não é justiticável. A pediatra Roseli Sarni diz que as refeições do dia-a-dia já contêm altos níveis de sódio e que o consumo dessas bebidas pode aumentar os níveis do elemento no organismo, o que pode ocasionar hipertensão arterial e sobrecarga nos rins.
Muitos pais também dão isotônicos aos filhos quando eles têm desidratação por causa de diarréias, por exemplo. Mas, nesses casos, a bebida também não é recomendada, uma já que as proporções de glicose e de sódio não são ideais para tratar o problema. O recomendado é utilizar soro caseiro ou fórmulas hidratantes específicas, vendidas em farmácias.

bebidas à base de soja

A oferta de sucos e de leite de soja cresceu muito e, erroneamente, esses produtos tornaram-se substitutos para derivados bovinos. "Não é possível substituir leite de vaca pelo de soja sem a perda de nutrientes, e isso só deve ser feito em caso de alergia ou de intolerância ao alimento de origem animal", diz Cardoso, do HC. Ele explica que essas bebidas são extremamente pobres em cálcio e possuem muitas fibras, que dificultam a absorção de outros minerais.
Segundo Roseli Sarni, da SBP, a Sociedade Européia de Gastroenterologia e Nutrição Pediátrica sugere que alimentos à base do grão não sejam oferecidos a crianças com menos de três anos de idade, por causa dos fitoestrógenos (elementos semelhantes ao hormônio estrógeno), que podem comprometer o desenvolvimento. "E as maiores não precisam consumir muito, porque vários alimentos industrializados já têm proteínas de soja, como algumas marcas de salsicha."
Para bebês com alergia às proteínas presentes no leite de vaca, existem fórmulas a base de soja com nutrientes necessários para essa faixa etária. Já aqueles que desenvolvem intolerância ao açúcar do leite (lactose) precisam encontrar um meio-termo. "Geralmente toleram laticínios em pequenas quantidades que não fazem mal", diz Ary Cardoso.
O especialista diz que crianças que não conseguem ingerir nenhum derivado do leite devem passar por exames de densitometria óssea anual e tomar suplementos de cálcio, sempre com orientação médica.

diet

Desenvolvidos para pessoas com restrições alimentares decorrentes de doenças metabólicas (como diabetes e hipertensão), os alimentos sem adição de açúcar, sal ou outros nutrientes caíram no gosto popular. O erro está em achar que, por não conterem açúcar, por exemplo, são menos calóricos.
Segundo Cláudia Cozer, alguns alimentos diet têm mais gordura do que a versão normal, para compensar a falta de açúcar e manter sabor e textura semelhantes. Assim, podem ter o efeito inverso do esperado: provocar aumento de peso.
Roseli Sarni alerta, ainda, para a quantidade de fosfatos presentes nos refrigerantes e nas bebidas gaseificadas em geral. "Os fosfatos propiciam desmineralização óssea e desgaste do esmalte dos dentes". Assim, mesmo que não contenham calorias, a ingestão dessas bebidas pelos pequenos deve ser evitada, uma vez que a estrutura e a densidade ósseas são desenvolvidas até a adolescência e, se mal projetadas, podem ocasionar osteoporose no futuro.
Os riscos que as crianças correm ao ingerir produtos feitos com adoçantes artificiais ainda não podem ser mensurados. Os especialistas dizem que não há estudos que acompanhem pessoas que começaram a ingerir essas substâncias na infância. Por isso, preferem sugerir a diminuição no consumo de açúcar em vez de substituí-lo pelo equivalente sintético.
Crianças que sofrem de distúrbios metabólicos devem buscar orientação médica, para que o tratamento seja realizado corretamente, sem riscos.


Texto Anterior: Glossário: Entenda como as doenças se manifestam
Próximo Texto: [+]Nutrição infantil: Manha pra comer? herança dos pais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.