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FAMÍLIA
Depois dos filhos
Contrariando a teoria do "ninho vazio", segundo a qual os filhos deixam um rastro de tristeza quando saem da casa dos pais, casais transformam as mudanças num período de realização de antigos sonhos
e de criação de novos planos comuns
Caio Guatelli/Folha Imagem
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Mara e Gilberto Lopes, que fazem aulas de tango
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
DESIREÊ ANTONIO
MAURÍCIO HORTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Vocês já são homens. É hora de
seguir seus próprios caminhos",
disse o desenhista e professor
universitário Fábio Mestriner,
em 2000, aos filhos Igor, então
com 19 anos, e Bruno, 17. O caçula foi morar com uma tia, o
mais velho dividiu apartamento com um amigo, e Fábio recomeçou a vida com sua mulher,
Ana Carletto, como no dia do
seu casamento, há 32 anos.
O casal vendeu a casa -então
quartel-general dos amigos dos
filhos tomado por duas bandas,
namoradas e torcidas de futebol- e mudou-se para um pequeno apartamento. De móveis, levaram apenas um colchão -como em 1976, quando
alugaram um apartamento.
E agora realizam um projeto
de quando se casaram: com o
dinheiro da venda da casa,
compraram um terreno ao lado
de uma reserva florestal e constroem uma casa onde poderão
trabalhar com arte. Os filhos
serão apenas convidados.
A ideia de transformar a saída de casa dos filhos numa época de planos comuns a serem
realizados e tempo (de qualidade) a ser compartido tem ganhado força. E derrubado a teoria de que a mudança deixava o
ninho vazio e um rastro mais de
tristeza do que de alívio.
Estudo da Universidade da
Califórnia (EUA), que analisou
por 18 anos a satisfação com o
casamento de 123 mulheres,
mostrou que a qualidade do
tempo que os parceiros passam
juntos melhorou com os anos.
As entrevistadas julgaram o
próprio relacionamento conjugal desde os 40 anos, quando os
filhos ainda moravam com a família, até os 60 anos, quando
eles já tinham deixado a casa.
Os resultados mostraram
que as mulheres se tornavam
mais felizes com os anos. "Os
casais se tornaram mais felizes
com o casamento. Não houve
evidência de que o ninho vazio
fosse devastador para as mães",
disse à Folha Sara Gorchoff, do
Departamento de Psicologia da
Universidade da Califórnia.
O "ninho vazio" não representou apenas mais tempo ao
lado do outro. A pesquisa mostrou que a companhia ganhou
mais qualidade -fator fundamental para que a satisfação
com o casamento se elevasse.
"Para o casal, é uma forma de
aproximação, a oportunidade
de retomar projetos inacabados ou interrompidos pela chegada dos filhos. Isso é um aspecto positivo", analisa Silvia
Pereira Benetti, professora do
programa de pós-graduação
em psicologia da Unisinos
(Universidade do Vale do Rio
dos Sinos).
A proposta de Fábio e Ana de
vender a casa e se mudar para
um apartamento menor não
agradou de cara -no início, "os
meninos" não gostaram da
ideia. "A mãe cozinha bem, trata bem. Você acha que eles
iriam embora?", diz Fábio. Ana,
hoje sócia de uma oficina de
restauro de portas e janelas antigas, também teve de se adaptar. "No início, você quer que
mandem a roupa para passar.
Depois, se acostuma."
Desde criança, os pais estimularam a independência dos
filhos. Quando Igor tinha 13
anos, ganharam bicicletas para
ir sozinhos à escola. Um ano
depois, viajaram para a Inglaterra num intercâmbio de três
meses. "Foi pavoroso quando
passaram pelo portão de embarque. Mas, depois disso, tivemos muita confiança neles",
diz o pai. Hoje, Igor, 28, que estudou sociologia, navega pelo
mundo trabalhando em veleiros e visita os pais quando passa pela costa brasileira. Bruno,
26, seguiu o pai como designer.
Para Benetti, famílias de gerações anteriores sofriam mais
com a saída dos filhos, em especial as mães, cuja principal função era cuidar das crianças.
Nos EUA, onde surgiu a teoria da "síndrome do ninho vazio", os filhos saíam para a universidade aos 18 anos, e, como a
mulher tinha a vida baseada essencialmente no seu papel de
mãe, ela passava por esse momento de tristeza e de luto.
"Com a entrada da mulher
no mercado de trabalho, a saída
dos filhos passa a não mais se
constituir como um momento
de vazio existencial. Mas, se o
casal não tem uma relação própria e a identidade deles é baseada na criação dos filhos, pode sofrer", diz Benetti.
Reencontro
Segundo a enfermeira Ana
Lucia de Moraes Horta, especialista em terapia familiar e
coordenadora da Unidade de
Intervenção à Família e Comunidade da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), quando os filhos vão embora, é como
se o casal se reencontrasse.
Se tiveram uma boa relação,
as chances de continuarem
bem são maiores. "Os parceiros
nunca vão ser os mesmos. Precisam de um novo contrato
-para planos, intimidade, respeito na relação, modificação
na comunicação. Necessitam
de um espaço para esse reencontro", afirma Horta.
O casal deve reservar momentos para conversar sobre
projetos que podem desenvolver juntos. É comum o planejamento de viagens nessa fase,
quando as despesas diminuem
e o tempo disponível aumenta,
mas qualquer atividade que
possa ser realizada em conjunto é importante. Descobrir e
manter interesses compartilhados ajuda a nutrir os vínculos entre o casal.
O anestesista Gilberto Lopes,
66, e a administradora Mara
Junqueira Lopes, 55, optaram
pela dança para "preencher o
espaço vazio". "Antes ficávamos em casa, em frente à televisão ou ao computador. Isso deteriora a relação. A gente chega
em casa cansado e não interage", diz Gilberto. Quando era
jovem, Mara não ia a bailes
-seus pais eram muito rígidos.
Era a hora de começar.
A dança mudou a vida do casal, que tem aulas três vezes por
semana e frequenta bailes nos
fins de semana. "Ela envolve
equilíbrio, concentração, movimento. Não tem como pensar
em outra coisa", diz Gilberto, o
dançarino. "À noite é ótimo,
pois faz o organismo liberar endorfinas. Você chega em casa e
não quer dormir", diz Gilberto,
o médico. "E a dança tem muito
a ver com nossa intimidade",
diz Gilberto, o marido.
Quando os filhos saíram de
casa pela primeira vez para estudar em Campinas, pouca coisa mudou em casa: todos os fins
de semana eles dormiam na casa dos pais. Três anos depois,
no entanto, os dois desistiram
dos cursos e voltaram para estudar em São Paulo.
Mas os filhos tinham mudado, e o casal já havia se adaptado à nova vida a dois. "Eles vieram com novas liberdades", diz
o pai. "Saíam à noite e ficávamos preocupados. Se não atendiam o celular, achávamos que
algo podia ter acontecido", diz a
mãe. A solução foi comprar um
apartamento para cada filho.
Preparação
Não é possível apontar uma
idade ideal para a saída dos filhos, mas o casal pode se preparar para esse momento. "É bom
que os pais se esforcem para se
divertir e relaxar longe dos filhos [ainda na mesma casa].
Podem marcar um dia por semana para ficar juntos", sugeriu Sara Gorchoff.
A terapeuta familiar Célia
Regina Henriques diz que não
há receita para evitar o sofrimento da separação, mas que
pais e filhos podem agir para
amenizá-lo. "Um casal saudável se prepara desde a adolescência do filho para o momento
em que ele sairá. É quando os
pais começam a dar mais espaço para os filhos, deixá-los mais
soltos, e este afastamento cria
um espaço para o casal."
Soltar a filha única aos poucos fez bem à nutricionista Edneia Maria Inglez Bresser, 51,
que pode se preparar melhor
para o dia em que Mariana casou e mudou. "Eu sempre fui
muito presente. Levava-a para
a escola, para o balé, até que ela
tirou a carta [de motorista], e
passou a ir sozinha. Percebi que
minha filha estava crescendo."
Edneia conta que sentiu falta
da filha em casa, mas o fato de
ela e o marido, o médico Luiz
Fernando Bresser, 58, passarem mais tempo sozinhos deu
mais qualidade ao relacionamento. "Não que não fosse
bom, mas agora melhorou", faz
questão de esclarecer.
"O principal é que você se dê
bem com seu marido porque
vai ficar mais tempo com ele. As
preocupações de mãe desaparecem. Então, você passa a viver mais intensamente com o
outro", acredita.
Mas, para Luiz Fernando, a
mulher pode estar sendo um
pouco "romântica" ao falar das
mudanças por que passaram.
"Nós realmente passamos a
viajar mais, mas as mulheres
são mais sonhadoras, não é?",
brinca o médico.
O casal passou a dedicar mais
tempo para atividades a dois,
especialmente para as caminhadas na praça do bairro Vila
Nova Conceição, ao menos
duas vezes por semana, e para
viagens, o programa de que
mais gostam de fazer juntos.
"Depois que o casal fica sozinho, não há uma data para escolher a viagem. Ele vê qual é a
melhor para ele e vai. A disponibilidade fica maior. As viagens são boas. Fuçamos tudo e
aproveitamos bem", conta ela.
Visitar lugares variados ao
redor do globo não é o único
plano do casal. Eles pretendem
comprar um barco em Paraty
(RJ), local que visitam com frequência e para onde costumavam ir quando namoravam. O
projeto foi adiado por um tempo porque o casal quis priorizar
a festa de casamento da filha.
"Antes, queríamos dar a melhor para a Mariana. Fazer tudo
do jeito que ela queria."
Quando a filha se casou, Edneia surpreendeu os mais próximos. "Muitos pensaram que
eu fosse ficar muito mais chateada e deprimida, mas não fiquei tão triste porque sabia que
ia ser bom para ela, então, por
que não ficar alegre?".
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