São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
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FAMÍLIA

Depois dos filhos

Contrariando a teoria do "ninho vazio", segundo a qual os filhos deixam um rastro de tristeza quando saem da casa dos pais, casais transformam as mudanças num período de realização de antigos sonhos e de criação de novos planos comuns

Caio Guatelli/Folha Imagem
Mara e Gilberto Lopes, que fazem aulas de tango

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

DESIREÊ ANTONIO
MAURÍCIO HORTA

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Vocês já são homens. É hora de seguir seus próprios caminhos", disse o desenhista e professor universitário Fábio Mestriner, em 2000, aos filhos Igor, então com 19 anos, e Bruno, 17. O caçula foi morar com uma tia, o mais velho dividiu apartamento com um amigo, e Fábio recomeçou a vida com sua mulher, Ana Carletto, como no dia do seu casamento, há 32 anos.
O casal vendeu a casa -então quartel-general dos amigos dos filhos tomado por duas bandas, namoradas e torcidas de futebol- e mudou-se para um pequeno apartamento. De móveis, levaram apenas um colchão -como em 1976, quando alugaram um apartamento.
E agora realizam um projeto de quando se casaram: com o dinheiro da venda da casa, compraram um terreno ao lado de uma reserva florestal e constroem uma casa onde poderão trabalhar com arte. Os filhos serão apenas convidados.
A ideia de transformar a saída de casa dos filhos numa época de planos comuns a serem realizados e tempo (de qualidade) a ser compartido tem ganhado força. E derrubado a teoria de que a mudança deixava o ninho vazio e um rastro mais de tristeza do que de alívio.
Estudo da Universidade da Califórnia (EUA), que analisou por 18 anos a satisfação com o casamento de 123 mulheres, mostrou que a qualidade do tempo que os parceiros passam juntos melhorou com os anos.
As entrevistadas julgaram o próprio relacionamento conjugal desde os 40 anos, quando os filhos ainda moravam com a família, até os 60 anos, quando eles já tinham deixado a casa.
Os resultados mostraram que as mulheres se tornavam mais felizes com os anos. "Os casais se tornaram mais felizes com o casamento. Não houve evidência de que o ninho vazio fosse devastador para as mães", disse à Folha Sara Gorchoff, do Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia.
O "ninho vazio" não representou apenas mais tempo ao lado do outro. A pesquisa mostrou que a companhia ganhou mais qualidade -fator fundamental para que a satisfação com o casamento se elevasse. "Para o casal, é uma forma de aproximação, a oportunidade de retomar projetos inacabados ou interrompidos pela chegada dos filhos. Isso é um aspecto positivo", analisa Silvia Pereira Benetti, professora do programa de pós-graduação em psicologia da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos).
A proposta de Fábio e Ana de vender a casa e se mudar para um apartamento menor não agradou de cara -no início, "os meninos" não gostaram da ideia. "A mãe cozinha bem, trata bem. Você acha que eles iriam embora?", diz Fábio. Ana, hoje sócia de uma oficina de restauro de portas e janelas antigas, também teve de se adaptar. "No início, você quer que mandem a roupa para passar. Depois, se acostuma."
Desde criança, os pais estimularam a independência dos filhos. Quando Igor tinha 13 anos, ganharam bicicletas para ir sozinhos à escola. Um ano depois, viajaram para a Inglaterra num intercâmbio de três meses. "Foi pavoroso quando passaram pelo portão de embarque. Mas, depois disso, tivemos muita confiança neles", diz o pai. Hoje, Igor, 28, que estudou sociologia, navega pelo mundo trabalhando em veleiros e visita os pais quando passa pela costa brasileira. Bruno, 26, seguiu o pai como designer.
Para Benetti, famílias de gerações anteriores sofriam mais com a saída dos filhos, em especial as mães, cuja principal função era cuidar das crianças.
Nos EUA, onde surgiu a teoria da "síndrome do ninho vazio", os filhos saíam para a universidade aos 18 anos, e, como a mulher tinha a vida baseada essencialmente no seu papel de mãe, ela passava por esse momento de tristeza e de luto.
"Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, a saída dos filhos passa a não mais se constituir como um momento de vazio existencial. Mas, se o casal não tem uma relação própria e a identidade deles é baseada na criação dos filhos, pode sofrer", diz Benetti.

Reencontro
Segundo a enfermeira Ana Lucia de Moraes Horta, especialista em terapia familiar e coordenadora da Unidade de Intervenção à Família e Comunidade da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), quando os filhos vão embora, é como se o casal se reencontrasse.
Se tiveram uma boa relação, as chances de continuarem bem são maiores. "Os parceiros nunca vão ser os mesmos. Precisam de um novo contrato -para planos, intimidade, respeito na relação, modificação na comunicação. Necessitam de um espaço para esse reencontro", afirma Horta.
O casal deve reservar momentos para conversar sobre projetos que podem desenvolver juntos. É comum o planejamento de viagens nessa fase, quando as despesas diminuem e o tempo disponível aumenta, mas qualquer atividade que possa ser realizada em conjunto é importante. Descobrir e manter interesses compartilhados ajuda a nutrir os vínculos entre o casal.
O anestesista Gilberto Lopes, 66, e a administradora Mara Junqueira Lopes, 55, optaram pela dança para "preencher o espaço vazio". "Antes ficávamos em casa, em frente à televisão ou ao computador. Isso deteriora a relação. A gente chega em casa cansado e não interage", diz Gilberto. Quando era jovem, Mara não ia a bailes -seus pais eram muito rígidos. Era a hora de começar.
A dança mudou a vida do casal, que tem aulas três vezes por semana e frequenta bailes nos fins de semana. "Ela envolve equilíbrio, concentração, movimento. Não tem como pensar em outra coisa", diz Gilberto, o dançarino. "À noite é ótimo, pois faz o organismo liberar endorfinas. Você chega em casa e não quer dormir", diz Gilberto, o médico. "E a dança tem muito a ver com nossa intimidade", diz Gilberto, o marido.
Quando os filhos saíram de casa pela primeira vez para estudar em Campinas, pouca coisa mudou em casa: todos os fins de semana eles dormiam na casa dos pais. Três anos depois, no entanto, os dois desistiram dos cursos e voltaram para estudar em São Paulo.
Mas os filhos tinham mudado, e o casal já havia se adaptado à nova vida a dois. "Eles vieram com novas liberdades", diz o pai. "Saíam à noite e ficávamos preocupados. Se não atendiam o celular, achávamos que algo podia ter acontecido", diz a mãe. A solução foi comprar um apartamento para cada filho.

Preparação
Não é possível apontar uma idade ideal para a saída dos filhos, mas o casal pode se preparar para esse momento. "É bom que os pais se esforcem para se divertir e relaxar longe dos filhos [ainda na mesma casa]. Podem marcar um dia por semana para ficar juntos", sugeriu Sara Gorchoff.
A terapeuta familiar Célia Regina Henriques diz que não há receita para evitar o sofrimento da separação, mas que pais e filhos podem agir para amenizá-lo. "Um casal saudável se prepara desde a adolescência do filho para o momento em que ele sairá. É quando os pais começam a dar mais espaço para os filhos, deixá-los mais soltos, e este afastamento cria um espaço para o casal."
Soltar a filha única aos poucos fez bem à nutricionista Edneia Maria Inglez Bresser, 51, que pode se preparar melhor para o dia em que Mariana casou e mudou. "Eu sempre fui muito presente. Levava-a para a escola, para o balé, até que ela tirou a carta [de motorista], e passou a ir sozinha. Percebi que minha filha estava crescendo."
Edneia conta que sentiu falta da filha em casa, mas o fato de ela e o marido, o médico Luiz Fernando Bresser, 58, passarem mais tempo sozinhos deu mais qualidade ao relacionamento. "Não que não fosse bom, mas agora melhorou", faz questão de esclarecer.
"O principal é que você se dê bem com seu marido porque vai ficar mais tempo com ele. As preocupações de mãe desaparecem. Então, você passa a viver mais intensamente com o outro", acredita.
Mas, para Luiz Fernando, a mulher pode estar sendo um pouco "romântica" ao falar das mudanças por que passaram. "Nós realmente passamos a viajar mais, mas as mulheres são mais sonhadoras, não é?", brinca o médico.
O casal passou a dedicar mais tempo para atividades a dois, especialmente para as caminhadas na praça do bairro Vila Nova Conceição, ao menos duas vezes por semana, e para viagens, o programa de que mais gostam de fazer juntos. "Depois que o casal fica sozinho, não há uma data para escolher a viagem. Ele vê qual é a melhor para ele e vai. A disponibilidade fica maior. As viagens são boas. Fuçamos tudo e aproveitamos bem", conta ela.
Visitar lugares variados ao redor do globo não é o único plano do casal. Eles pretendem comprar um barco em Paraty (RJ), local que visitam com frequência e para onde costumavam ir quando namoravam. O projeto foi adiado por um tempo porque o casal quis priorizar a festa de casamento da filha. "Antes, queríamos dar a melhor para a Mariana. Fazer tudo do jeito que ela queria."
Quando a filha se casou, Edneia surpreendeu os mais próximos. "Muitos pensaram que eu fosse ficar muito mais chateada e deprimida, mas não fiquei tão triste porque sabia que ia ser bom para ela, então, por que não ficar alegre?".


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