São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 2005
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Saúde

Tratamentos novos no país podem trazer alívio para a incontinência urinária, problema que atinge de 15% a 30% das mulheres

Descontrole sob controle

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Tudo começou depois dos partos dos meus filhos. Eu não podia tossir, carregar peso, ficar com a bexiga cheia nem dar risada. Me incomodava muito. No ano passado, ficou incontrolável. Tinha que usar absorvente para não me molhar." Causado por uma incontinência urinária (perda involuntária de urina), o incômodo relatado pela enfermeira Alice Ishizawa, 54, repete-se com muitas mulheres. Estima-se que entre 15% e 30% delas sejam acometidas pelo problema em algum momento da vida.
Após a menopausa, esse número sobe para quase 50%. "É um problema de saúde pública", diz o urologista Paulo Palma, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor do livro "Uroginecologia Ilustrada" (editora Roca).
Cirurgias, medicamentos e seções de fisioterapia são os tratamentos mais utilizados atualmente. Agora, várias novidades nessa área estão chegando ao Brasil.


Apesar de haver estudos sobre a eficácia dos novos tratamentos, o urologista Luis Seabra Rios lembra que eles são recentes e pede cautela, pois os resultados podem mudar com o tempo


Uma delas é o marca-passo de bexiga, ou neuromodulador, indicado para pacientes com incontinência urinária de urgência -caracterizada por vontade constante de urinar e incapacidade de segurar a urina- que não se adaptam ao tratamento com medicamentos. Além de serem ineficazes em algumas situações, os remédios para esses casos podem gerar efeitos colaterais como boca seca e prisão de ventre. "Quando o tratamento não dá certo, chega uma hora em que a única opção é fazer uma cirurgia grande na bexiga. O marca-passo entra nessa lacuna", diz o urologista Luis Seabra Rios, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia - Secção São Paulo.
Usado na Europa e nos EUA, o neuromodulador já tem aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e, segundo a Medtronic, empresa fabricante, deve chegar ao país no próximo mês.
A incontinência de urgência também pode ser tratada com um recurso usado há cerca de dois anos em alguns consultórios e hospitais brasileiros: a aplicação de botox. Injetada na parede da bexiga, a toxina botulínica paralisa parcialmente os músculos da chamada "bexiga hiperativa", que se contrai fora de hora.
Assim como nos tratamentos estéticos com a substância, devem ser feitas reaplicações periódicas (de seis em seis meses, em média).
Outra novidade, desta vez para tratar incontinência urinária de esforço (perda involuntária de urina por movimentos como tossir, rir ou subir escadas), é a duloxetina. Trata-se do primeiro medicamento para o caso -cirurgia e fisioterapia eram as saídas até hoje. A substância já é usada contra a depressão, mas, para tratar a incontinência urinária, deve ter dosagens diferentes. Testes clínicos para a nova indicação já foram feitos na Europa e nos EUA e estão em andamento no Brasil.
A manicure Clarice Souza Bezerra, 51, é uma das pacientes que testam a duloxetina. Ela ia ser operada quando foi chamada para participar da pesquisa. "Por enquanto, está dando certo. Antes eu não podia nem espirrar que já escorria tudo. Se eu ficasse uma hora sem ir ao banheiro, ficava muito apertada", conta.
Segundo o laboratório Lilly, que comercializa a substância, o remédio está em fase de aprovação pela Anvisa e deve começar a ser vendido no fim de 2005 ou no início de 2006.
Mesmo quando é preciso recorrer a cirurgias, técnicas menos invasivas estão sendo desenvolvidas. A colocação dos "slings" (fitas usadas como uma espécie de tipóia para segurar a bexiga) já é feita de forma menos agressiva. "No passado, era feita uma incisão tipo cesariana, bem ampla. Agora, essa grande cirurgia transformou-se num procedimento minimamente invasivo e ambulatorial, por via transobturatória. A paciente pode fazer de manhã e ir para casa à tarde", diz o urologista Paulo Palma.
Para ele, uma das desvantagens dos novos tratamentos, principalmente o marca-passo, é o alto custo. "É equivalente a um marca-passo cardíaco, mas esse já é coberto pelo SUS e pelos seguros. O de bexiga ainda não."
Apesar de já haver pesquisas mostrando a eficácia dos novos tratamentos, Luis Seabra Rios recomenda cautela. "Para avaliar técnicas contra a incontinência urinária, é preciso ter estudos de, no mínimo, três anos. O ideal são cinco anos. Isso porque a tendência é que elas percam resultado com o tempo. Mesmo que o paciente fique bem logo depois, dali a algum tempo ele pode voltar a ter os sintomas", diz.

HORMÔNIOS
A incontinência urinária não atinge apenas as mulheres: os homens também podem sofrer com ela, principalmente os de idade mais avançada e os que tenham passado por cirurgias como a prostatectomia radical (retirada total da próstata). No entanto, o organismo da mulher é muito mais susceptível ao problema. "O mecanismo de resistência uretral é mais frágil na mulher. Isso porque a musculatura e os componentes do esfíncter são mais fracos. Anatomicamente, elas são mais propensas a ter incontinência urinária.", afirma o urologista e especialista em uroginecologia Rogério Simonetti Alves, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Com a chegada da menopausa, a falta de estrógeno pode desencadear ou piorar os sintomas. "Vários dos elementos que são responsáveis pela continência, como os ligamentos e a própria vascularização do assoalho pélvico, são estrógeno-dependentes. Quando a mulher entra na menopausa, essas estruturas se ressentem", explica a endocrinologista Dolores Pardini, chefe do ambulatório de endocrinoclimatério da Unifesp.


A incontinência urinária também atinge homens, mas o organismo da mulher é muito mais susceptível à ocorrência do problema


Quem fuma ou está acima do peso e mulheres que tiveram parto normal também têm mais chance de ter o problema. "A própria gravidez pode causar a incontinência, pois provoca sobrecarga sobre o períneo", diz a ginecologista e especialista em uroginecologia Miriam Waligora, do hospital Albert Einstein.
Foi o que aconteceu com a estudante de fisioterapia Marilene da Silva Aguiar, 29. Grávida de sete meses, ela começou a ter incontinência urinária aos três meses de gestação. "Peguei uma gripe muito forte e, cada vez que eu espirrava, perdia urina." Marilene melhorou com exercícios de fisioterapia. "É uma sensação muito desagradável. Ficava com medo de que acontecesse na sala de aula. Às vezes, usava uma proteção porque não queria passar por uma situação constrangedora."
A fisioterapeuta Miriam Raquel Diniz Zanetti, que acompanha um grupo de gestantes no Departamento de Obstetrícia Fisiológica da Unifesp, diz que a sobrecarga no assoalho pélvico e a diminuição do seu tônus e da sua força muscular ocorrem, em média, da 20ª semana gestacional até seis semanas após o parto. "No pré-natal de gestantes adolescentes, em que realizamos um trabalho psicoprofilático multidisciplinar na Unifesp, observamos que a incontinência urinária é uma queixa muito comum", diz.
De 130 gestantes entrevistadas entre 2001 e 2002 pela pesquisa, 43% disseram que haviam apresentado pelo menos um episódio de perda de urina durante a gravidez.

AUTO-ESTIMA
A incontinência urinária não traz problemas graves à saúde: a dermatite amoniacal, ou assadura, é a complicação mais comum. A principal conseqüência apontada pelos médicos é o abalo na auto-estima do paciente. "Ela ataca a qualidade de vida da pessoa, que acorda muitas vezes para urinar, tem sono interrompido, cansaço crônico e alterações no humor. Isso sem contar o impacto negativo na sexualidade", enumera o urologista Paulo Palma.
A dona-de-casa Marlene Fernandes, 57, que tem incontinência urinária desde pequena, sabe bem o incômodo que ela causa. "Quando criança e adolescente, eu evitava rir e fazer esforço. Mas era difícil, principalmente quando eu tinha filhos pequenos e precisava pegá-los no colo. É muito desconfortável", diz ela, que só melhorou em 2004, com uma cirurgia.


Apesar de a incontinência urinária não trazer problemas graves à saúde, ela provoca forte impacto na auto-estima do paciente, de acordo com os médicos


A dona-de-casa Sueli Fernandes Monteagudo, 48, conta que sua filha Thissiane Fernandes Parrado, 15, chegou a levar bronca de uma professora por ter urinado na aula de flauta. A menina tem a chamada bexiga neurogênica (perda da função normal do órgão devido a uma lesão no sistema nervoso) e sofre de incontinência urinária desde os seis anos de idade. "Por mais que eu tentasse levar antes ao banheiro, na hora da aula ela perdia xixi."
Para encontrar o tratamento certo para cada caso, é preciso identificar qual é o tipo de incontinência urinária que o paciente tem. Geralmente, isso é detectado por um exame chamado urodinâmica, em que é medida a pressão da bexiga durante o enchimento e o fluxo da urina ao sair, entre outros indicadores.
Segundo os médicos, muitas pessoas não procuram tratamento por acharem que a incontinência urinária é uma ocorrência natural do envelhecimento. "A mulher já escutava a mãe ou as tias falarem que tinham e, quando entra na menopausa, acha que é normal. A perda involuntária da urina nunca é normal e tem que ser tratada", afirma Dolores Pardini.

FISIOTERAPIA
Nada de remédios, cirurgias ou tratamentos invasivos. Em alguns casos, a incontinência urinária pode ser resolvida com fisioterapia. A técnica leva à cura ou à melhora em até 70% dos casos de incontinência de esforço, segundo Mirca Batista Ocanhas, fisioterapeuta do hospital Albert Einstein e do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. No caso de bexiga hiperativa, o índice é de 56%.
Segundo a fisioterapeuta Miriam Zanetti, a técnica é recomendada para os tipos de incontinência urinária em que não haja lesão ou defeito anatômico nem causas neurológicas.
Além de exercícios para fortalecer o assoalho pélvico, as seções de fisioterapia incluem técnicas como eletroestimulação (aplicação de corrente elétrica para fortalecimento muscular). A modificação comportamental -por meio do controle dos horários de urinar e de ingerir líquidos, por exemplo- também é uma parte importante do tratamento. "A freqüência diária de urinar deve ser de seis a oito vezes. À noite, a mulher jovem não deve se levantar para ir ao banheiro. Se ela já passou da menopausa, pode urinar uma ou eventualmente duas vezes nesse período", diz Ocanha. Segundo ela, a técnica pode ser usada em mulheres e homens.


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