São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2008
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OUTRAS IDÉIAS

Wilson Jacob Filho


Essencial

Há algumas semanas, ouvi uma palestra impactante, daquelas que nos faz pensar muitas vezes no que foi dito e no que foi deduzido a partir do que foi dito. Em uma só palavra: fertilizante.
O filósofo Mário Sérgio Cortella nos convidou a pensar sobre o fundamental e o essencial. Deu vários exemplos do que é fundamental para que o essencial possa acontecer.
Hoje pela manhã me vi falando sobre isso sem ter planejado. O tema era o pleno desenvolvimento do ser humano: isso é essencial. Os múltiplos caminhos e ferramentas que levam a isso são fundamentais, mas dependem da escolha de cada um. Seria utópico supor que podemos atingir esse objetivo por acaso. Se acontece, é efêmero. A atenção ao que realmente importa e o zelo com cada particularidade devem ser constantes e abrangentes: nada deve ser esquecido.
Erra quem acredita que "quanto mais, melhor". O excesso é, freqüentemente, tão deletério quanto a escassez. Sempre há um ponto onde se encontra o maior benefício pelo menor custo ou risco.
Não será um bom jardineiro quem cuida essencialmente das roseiras e muito pouco dos arbustos do canteiro. O essencial, neste caso, não é só a beleza das rosas, mas o equilíbrio biológico que dá harmonia e longevidade ao ambiente. O uso de um fertilizante que torne as rosas mais exuberantes, mas que lese o desenvolvimento das minhocas, fará com que todas as plantas pereçam.
Na saúde, essa regra se aplica em todos as situações. Já erramos muito ao desrespeitá-la. Já acreditamos, há pouco tempo, que, quanto mais obesos fossem as crianças e os adultos, mais saudáveis seriam. Recentemente, as evidências científicas mostraram que a grande maioria das doenças é agravada pelo excesso de peso e que, quanto mais precocemente ocorrer, maior a sua importância. Temos também como certo que o peso excessivamente baixo é causa de muitos malefícios.
Hoje, além de sermos capazes de estimar qual a melhor relação entre o peso e a altura em cada fase da vida, também entendemos cada vez melhor qual é o ponto mais adequado para o controle da pressão arterial, da prática de exercícios, da dedicação ao trabalho, da necessidade de lazer, das relações afetivas, enfim, de tudo aquilo que compõe o inesgotável conjunto de fatores que serão determinantes da qualidade de vida atual e futura.
A atenção a cada um desses aspectos deve ser individual, sem perder, porém, a visão do todo. Aquele que polarizar todas as atenções obrigatoriamente comprometerá a diversidade dos cuidados, visto que somos um conjunto de componentes interativos, onde cada qual depende intrinsecamente do outro, em todas as fases do desenvolvimento.
Inconseqüente é a idéia de que podemos agredir agora a saúde do indivíduo, da coletividade ou do planeta porque, depois, elas poderão ser recuperadas integralmente. Os erros que cometemos hoje serão sempre lembrados. Poderemos minimizá-los, com atitudes mais sensatas e planejadas, mas jamais eliminaremos as cicatrizes dessas injúrias.
Portanto, se temos como essencial viver muito e viver bem, não há por que postergar os cuidados com os fatores fundamentais para uma longevidade saudável.


WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br



Leia na próxima semana a coluna de Michael Kepp


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