São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2000
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"Para mim, o bambu é santo"

BELL KRANZ
EDITORA DO EQUILÍBRIO

Kimio Ishimtsu, 59, é marceneiro e trocou o Japão pelo Brasil há mais de 30 anos. "Eu me formei no colégio e vim sozinho. Nem briguei com a família, mas não gostava do Japão", diz Ishimtsu, que acha o Brasil "o melhor país do mundo". Maior do que a empolgação com o país que adotou, só mesmo a paixão por bambus. "Eu gosto tanto de bambu que queria ser um." Em sua marcenaria em Santa Isabel (Grande São Paulo), Ishimtsu tem um viveiro de bambu com mais de 15 espécies. É lá que ele desenvolve pesquisas para construir casas de bambu, fazer conservas comestíveis com o broto da planta, biombos e cortinas com galhos e fibra. Sua mais nova descoberta é o carvão de bambu, que serve para despoluir o ar, a água e até tirar mau cheiro de geladeiras ou de automóveis. Embora a paixão seja antiga, Ishimtsu só pôde se dedicar às pesquisas depois que os dois filhos conseguiram independência financeira. Além do trabalho na marcenaria, tem sido convidado para orientar discípulos no Rio e no Espírito Santo. "Há semanas em que recebo 180 telefonemas de gente que quer mais informação sobre o bambu", comemora. Leia a entrevista abaixo.

Folha - Que tipo de trabalho o sr. faz com bambu? Kimio Ishimtsu - Eu vendo bambu tratado (defumado) para construção. Dá para fazer toda a estrutura da casa de bambu, ele é muito melhor do que a madeira. Agora mesmo vou fazer uma casa inteira. Os muros serão feitos com os galhos. Também dá para fazer muito artesanato. O que faz mais sucesso são os biombos, já mandei muitos para a Itália. As cortinas de fibra de bambu também são lindas. Outro dia, uma pessoa de Goiânia me mandou amostra de uma alça de bolsa feita da raiz do bambu. É muito bonita.

Folha - Por que o bambu é melhor do que a madeira? Ishimtsu - Porque ele cresce rapidamente e durante todo o ano. Depois que você corta o bambu, ele nasce de novo. É muito ecológico e mais barato do que a madeira. Outra maravilha que pode ser feita com bambu é papel. A fibra é comprida e cresce muito rápido, além de ser mais forte do que a de eucalipto. O papel é mais resistente, e o custo da plantação por hectare é cinco vezes menor do que o custo da produção de eucalipto. Na construção ele também é melhor. Um poste feito com bambu defumado dura 70 anos, mais do que o eucalipto.

Folha - Além da raiz, da fibra e dos galhos, o que mais pode ser aproveitado? Ishimtsu - O broto é comestível, contém pouca caloria e muita fibra. É bom para combater o colesterol. Chineses, japoneses e colombianos comem muito broto de bambu. No Brasil, não é muito difundido ainda. E a grande novidade é o carvão de bambu, que serve para filtrar ar e água, além de tirar mau cheiro de ambientes. A associação das donas-de-casa de Tóquio colocou carvão de bambu em um riacho da cidade e conseguiu despoluir a água, que voltou a ter peixes.

Folha - Como o carvão de bambu despolui a água? Ishimtsu - O carvão tem buraquinhos, ideais para servir de moradia para as bactérias, que vão comer o material orgânico que é depositado na água e limpá-la. Se deixar o carvão dentro da água poluída, ele cria as bactérias que vão comer o orgânico, a sujeira da água.

Folha - Há outros usos para o carvão? Ishimtsu - É bom colocar o carvão na geladeira para conservar alimentos e não deixar cheiro. No armário, combate o mofo. No carro, tira o mau cheiro de cigarro. Dá até para colocar no aquário de peixes. Em uma semana, o carvão limpa tudo. Tem até o carvão comestível. Comer pó de carvão é muito bom para o estômago. Ele limpa tudo lá dentro. A gente põe o pó em cápsulas para facilitar a ingestão. Mas eu ainda não estou produzindo isso porque, para comer, o carvão tem de ser muito bem tratado.

Folha - Existem bambus de vários tipos? Ishimtsu - Eu já cataloguei pelo menos uns 300 tipos de bambu e cultivo no meu viveiro uns 15. Mas dizem que há uns 1.300 tipos de bambu.

Folha - O Brasil é adequado ao cultivo de bambu? Ishimtsu - O bambu pega em qualquer lugar, menos no pólo Norte, né? No Brasil, na China e na Indonésia, o bambu pode ser cultivado em todo o território. O clima brasileiro é muito bom para o bambu. Mas a área de cultivo é muito pequena porque se consome muito pouco.

Folha - Onde o sr. compra o bambu? Ishimtsu - Não compro. Tem gente que dá pra mim porque a área de plantio está abandonada. Atualmente ninguém aproveita o bambu no Brasil. Tem gente que acha que bambu é praga. Mas, para mim, é santo.

Folha - Como o sr. descobriu o bambu? Ishimtsu - Uma pessoa pediu pra eu fazer uma casa com bambu na Barra do Una (litoral norte de SP), inspirada nos modelos da Indonésia, toda de caibro. Eu fui procurar quem vendia e tratava. A pessoa pediu um preço muito alto, o dobro da madeira. Eu estranhei. Aí comecei a estudar o bambu e fiquei viciado. Eu gosto de bambu. De comer, de tudo. O formato é muito bonito, e ele nasce o ano todo. Eu queria ser que nem o bambu.

Folha - O senhor queria ser um bambu? Ishimtsu - Eu queria. Agora que não preciso mais sustentar minha casa, porque meu filho e minha filha se formaram e passaram a cuidar da família, estou fazendo só o que quero: cultivar e fazer coisas com bambu.



quem é ele
Nome: Kimio Ishimtsu
Idade: 59 anos
Profissão: marceneiro
O que faz: possui uma marcenaria e um viveiro de bambu em Santa Isabel (Grande São Paulo)
Proposta: estudar e divulgar o uso do bambu em diversas áreas, da alimentação à construção civil




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