São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006
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bebês

Brincando de estimular

Cresce a oferta de atividades voltadas para bebês, que, segundo professores, melhoram o desenvolvimento da criança; para alguns especialistas, aulas são desnecessárias e podem causar estresse


[...] Segundo médicos e psicólogos, a estimulação de crianças com menos de três anos de idade pode ser feita pela família em casa, de forma natural


ALESSANDRA KORMANN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Judô, informática, piano, pintura ou balé? Até pouco tempo atrás, a dúvida sobre em quais cursos matricular os filhos só chegava lá pelos cinco anos de idade da criança. Hoje, porém, ela pode confundir a cabeça dos pais logo após o nascimento dos pequenos. Além da tradicional natação para bebês, há opções de aulas de música, artes, estimulação psicomotora, inglês e balé para crianças com menos de três anos de idade, quase sempre a preços altos.
Em algumas delas, como nas de natação, os bebês começam com poucos meses. Aos dois anos, muitos deles já sabem nadar, e há academias que oferecem turmas para essa idade sem a presença dos pais. No caso do inglês, os alunos costumam ser aceitos aos três anos, e o aprendizado é focado na aquisição de vocabulário por meio de jogos e encenações.
Já a idade mínima para as aulas de estimulação varia, mas há locais que aceitam as crianças desde o primeiro mês. O objetivo é estimulá-las, por meio de atividades lúdicas, de acordo com cada fase de seu desenvolvimento. "Orientamos as mães para que estimulem seus filhos de forma adequada, melhorando o desenvolvimento de coordenação motora, força, percepção de espaço. Nosso objetivo não é que eles andem ou falem antes, mas que aprendam a fazer isso bem. Tem criança que chega aos sete anos com problema de coordenação ou sem nunca ter colocado a mão num pote de tinta", afirma Angela Moreira de Mirelles, diretora do espaço Gymboree Play & Music de São Paulo.
Fundada há três décadas nos Estados Unidos, a franquia chegou ao Brasil em 2001 e oferece estimulação, artes e musicalização infantil para crianças entre 18 dias e cinco anos. Nos EUA, há outras modalidades, como a "Baby Signs" -que ensina os pequenos "a se comunicarem antes de ter palavras"- e a "Global Kids" -que explora as brincadeiras, músicas e danças de outros países, "encorajando os pequenos viajantes a serem cidadãos globais".
A idéia assusta alguns especialistas, que pedem cautela. Para o neuropediatra Mauro Muszkat, por exemplo, existe um exagero ao se "fornecerem para a criança estímulos que muitas vezes ela não está a fim de processar". "A criança não é um processador de estímulo, ela processa o que tem contexto, o que tem a ver com a realidade da família", diz ele, que coordena o Nani (Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). O médico afirma que o excesso de estímulos pode causar estresse, que costuma se manifestar como cólicas, distúrbios de sono e outros problemas psicossomáticos.
Muszkat diz que considera a arte e os jogos lúdicos formas importantes de sensibilização, principalmente levando em conta que nos primeiros anos de vida a criança está mais aberta a processar línguas e música, por exemplo. "Mas sou contra fazer isso de forma programada. O bebê pode estar com sono na hora marcada ou simplesmente não ter vontade. Além disso, todo programa de estímulos gera expectativas nos pais, o que pode frustrar a criança", afirma.
A pediatra e psicoterapeuta Verônica Cavalcante, presidente do departamento científico de saúde mental da Sociedade Brasileira de Pediatria, também diz que mesmo bebês muito novos percebem as expectativas envolvidas nas atividades. "O bebê é uma espécie de "radar". Como não entende palavras, sente muito a forma como é olhado ou tocado."
Para Cavalcante, psiquicamente, a idade ideal para uma criança participar de qualquer atividade que tenha regras -ainda que sejam apenas hora de começar e terminar- é a partir dos quatro anos. "É difícil as mães aceitarem isso. Mas é uma forma de proteger o filho até que ele possa se autoproteger, reconhecer a autoridade de um professor. Claro que ele também não deve ficar só em casa. Para isso há praças, espaços comunitários ou o playground do prédio."
Apesar de acreditar que é fundamental que os bebês sejam estimulados, ela defende que isso ocorra naturalmente no cotidiano familiar. "Essa estimulação não só pode como deve ser feita em casa, pela família, usando brinquedos, mas principalmente com muito afeto. Um bebê saudável não precisa de uma equipe profissional envolvida", afirma.
Já a psicomotricista Izabel Bicudo tem uma opinião diferente. "Se todas as crianças pudessem ter acompanhamento, poderiam prevenir futuros problemas. É no primeiro ano de vida, quando se forma a maior parte da nossa rede neuronal, que temos mais possibilidade de aprender qualquer coisa."
Bicudo é presidente da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, campo que estuda a integração entre corpo e psiquismo e que surgiu no Brasil há cerca de 30 anos. Do atendimento a pessoas com problemas de desenvolvimento, os psicomotricistas passaram a atuar também orientando crianças saudáveis.
"Há 20 anos, precisava-se menos de um trabalho desse tipo. As crianças tinham a rua, a companhia de outras crianças, avós e tias. Hoje, elas vivem em espaços cada vez mais reduzidos, cada vez têm menos vivência corporal", diz.

Vida moderna
Assim como Bicudo, outros especialistas e mães acreditam que essas atividades vêm preencher lacunas que surgiram com o estilo de vida atual: com núcleos familiares menores e contato mais limitado com espaços abertos, as crianças têm menos oportunidades de se exercitarem e de conviver com outros bebês.
"Coloquei minha filha na aula de música para que ela convivesse com outras crianças e para estimulá-la de alguma forma", conta a arquiteta Paula Schiavini, mãe de Martina, dez meses. "Sempre que coloco música para tocar, ela fica toda animada e começa a dançar."
A administradora Odalis Dunnam, mãe de Andrea Ortega, um ano e dois meses, acha que a filha evoluiu nesse quesito desde que começou a freqüentar as aulas de estimulação, aos sete meses. "No início, ela chorava, mas hoje adora e está mais sociável."
Para Angela de Mirelles, uma das vantagens de matricular os bebês na estimulação em grupo é justamente a socialização.
"Muitos convivem só com a mãe e a babá e, quando saem de casa, ficam com medo de tudo. Ouvir vozes de outras pessoas os tornam mais abertos." Cedo demais, na opinião da psicanalista Eloísa Tavares de Lacerda, coordenadora do NIBb/Derdic (Núcleo Interdisciplinar do Bebê), da PUC-SP, para quem, no primeiro momento da vida, a relação deve ser com a mãe. "Há a ilusão de que o bebê já se relaciona com os outros, mas as grandes descobertas dessa fase são desenvolvidas no próprio corpo. O brinquedo dele é olhar a própria mão, bater as pernas, sentir seu corpo", diz. Ela acredita que as aulas trazem mais benefícios às mães, por possibilitarem trocas com outras mães. "As mulheres estão muito isoladas. Antes, tinham mais contato com irmãs e avós, havia um grupo transgeracional que se apoiava."
Música
É justamente a falta dessa rede de apoio feminino que faz com que as crianças tenham menos contato com música em casa, diz Josete Feres, autora do livro "Bebê, Música e Movimento", usado como referência pela maioria dos profissionais da área. "Antigamente, as famílias eram grandes, e as avós, mães e tias cantavam muito com as crianças. Hoje, dificilmente as pessoas têm tempo para fazer isso. A aula acaba sendo um momento de cumplicidade e aconchego." A advogada Marcela Furmanovich, mãe de Sofia, 3, e de Natasha, de um ano e dois meses, concorda. "É um momento de troca, um tempo com mais qualidade com as meninas." As duas começaram a ter aula de música desde os dez meses. "A Sofia já tem uma noção de ritmo impressionante. E a Nata- sha já reconhece as músicas, repete alguns gestuais das aulas." As aulas de musicalização para bebês, muito em voga tanto em instituições especializadas quanto em colégios de educação infantil, costumam durar cerca de 30 minutos, pois o tempo de atenção dos bebês é muito reduzido. São utilizados instrumentos como chocalhos, martelinhos, maracas e guizos. Além da música, eles aprendem desde cedo a dividir os brinquedos e a devolver os instrumentos após usá-los", conta a educadora musical Cristiana Baroni do Nascimento, que dá aulas de musicalização em escolas de educação infantil. Meire Antoniassi Noronha, professora da Intermezzo & Spina Escola de Música, em São Paulo, lembra que os bebês não aprendem a tocar instrumentos. "O mais importante é trabalhar a escuta, para que eles comecem a perceber o som e as suas variações. E procuramos aumentar seu repertório, com músicas folclóricas, brincadeiras de roda, músicas eruditas." Mas, afinal, a música estimula ou não o desenvolvimento do cérebro dos bebês? Segundo o psiquiatra e músico Geraldo Possendoro, professor da especialização em psicoterapia cognitivo-comportamental da Unifesp, a resposta é sim -em termos. "Essas questões ainda estão em aberto para a ciência, ainda não foram completamente comprovadas. Mas sabemos que a música é um estímulo como qualquer outro, e o cérebro tem uma capacidade chamada neuroplasticidade, ou seja, é um sistema aberto que responde aos estímulos do meio. Por causa do desenvolvimento das redes neurais, é provável que um bebê que tem aula de música tenha mais facilidade se quiser ser músico no futuro." Elisabeth Bueno de Camargo, arte-educadora do Centro Universitário Maria Antonia que pesquisa a musicalidade dos bebês há 14 anos, diz que a inteligência é estimulada não pela música em si, mas pelas experiências e brincadeiras que surgem a partir do envolvimento afetivo com ela. "Quando se envolve dessa forma, a atividade cerebral certamente aumenta, assim como também existe estimulação ao se contar ou ler uma história para o bebê de modo envolvente e vivo."


Onde praticar
Bem Me Quer Sports
Esporte e recreação para crianças de dois a 12 anos; r. Ministro Jesuíno Cardoso, 52, Vila Olímpia, e mais dois endereços; tel. 0/xx/3044-1108 www.bmqsports.com.br

Criança em Foco
Estimulação, música, massagem, ginástica natural e ioga para crianças de um mês a seis anos; r. Coronel Dulcídio, 517, 67 e 68 (shopping Novo Batel), Curitiba, e mais dois endereços em Curitiba e no Rio de Janeiro; tel. 0/xx/41/3232-4837 www.criancaemfoco.com.br

Escola de Música de Jundiaí
Musicalização infantil para crianças de oito meses a sete anos; r. Prudente de Morais, 1.276, Jundiaí (SP); tel. 0/xx/11/4521-5120

Gymboree
Estimulação, musicalização e artes para crianças de 18 dias a cinco anos; av. dos Carinás, 421, Moema, São Paulo; tel. 0/xx/11/5041-4337 www.gymboree.com.br

Intermezzo & Spina
Iniciação musical para crianças entre oito meses e três anos; r. Dr. Mário Ferraz, 376, Jardim Europa, São Paulo; tel. 0/xx/11/3078-3200 www.intermezzo.com.br

Red Balloon
Inglês para crianças e adolescentes de três a 15 anos; r. Jauaperi, 149, São Paulo, e mais 16 endereços em São Paulo, Santo André, Campinas, Piracicaba, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro; tel. 0/xx/11/5051-2425 www.redballoon.com.br

Steps Baby Lounge
Aulas de movimento, musicalização e artes para crianças de três meses a quatro anos; r. Prof. Vahia de Abreu, 285, Vila Olímpia, São Paulo; tel. 0/xx/11/3846-8795 www.stepsbabylounge.com.br



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