São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006
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S.O.S. família - Rosely Sayão

Nota de comportamento

Apesar de a estrutura do funcionamento escolar permanecer a mesma há muito tempo, temos de reconhecer que a escola mudou bastante -e para melhor- nas últimas décadas, não é verdade? Vejamos alguns exemplos dessas mudanças.
Hoje, os professores tratam os alunos pelo primeiro nome ou pelo sobrenome. Pode até ser que eles, caso pensassem no assunto, considerassem tal fato algo muito natural. Pois o que eles não sabem é que já houve um tempo em que os alunos eram identificados por um número e os profissionais da educação não consideravam isso uma questão problemática.
Crianças e adolescentes também não sabem que já foi considerado fundamental para a disciplina escolar que os alunos formassem filas, ordenados por altura e separados do colega pela medida de um braço. Hoje, os alunos se encaminham para suas salas de modo mais informal, sem o uso dessa estratégia de inspiração militar.
Outra mudança importante: hoje os professores já não costumam avaliar o comportamento dos alunos por meio de notas ou de conceitos. Opa! Será que essa mudança ocorreu de fato? Temo que não. Por incrível que pareça, a tal nota de comportamento ainda vale em muitas escolas. Está certo que, como diz um professor que conheço, é nota de comportamento com vergonha de mostrar a cara, já que vem maquiada com outras denominações. Pode ser chamada de atitude; às vezes, vem com cara de participação. Mas o fato é que muitas escolas ainda lançam mão dessa prática. E muitos pais aceitam esse uso sem questionamentos e até repreendem o filho quando ele vem com baixa avaliação nesse quesito.
O que a escola não percebe é que, ao fazer isso, expõe uma importante contradição que cria com sua prática.
Tenho uma boa história para ilustrar a incoerência que a escola produz ao avaliar o comportamento de seus alunos. Duas mães conversaram comigo justamente a esse respeito.
Uma delas disse que não sabia o que fazer com o filho que apresentava um comportamento que deixava muito a desejar -segundo a avaliação da professora- apesar de sistematicamente alcançar notas boas na avaliação dos conteúdos. Já a segunda mãe enfrentava uma situação contrária: o filho tinha comportamento considerado exemplar, mas obtinha baixo rendimento no estudo.
O que o aluno precisa aprender na escola em relação ao comportamento? Basicamente, a ter disciplina para debruçar-se sobre o conhecimento (atenção, esforço, concentração) e a relacionar-se com os outros de modo respeitoso, justo e solidário. O que não mostra relação com essas questões não deve ser foco da escola.
Se um aluno apresenta, na visão da escola, problemas de comportamento e bom rendimento, algo está errado: ou a escola não oferece condições para o desenvolvimento do potencial do aluno ou o comportamento que ele apresenta nada tem de errado. E quanto ao aluno que apresenta boa avaliação de comportamento e não rende nos estudos, a questão é que, se tal comportamento em nada resulta, nada tem de bom ou de exemplar.
As piores hipóteses que podemos levantar são duas. A primeira é que o comportamento que a escola espera de seus alunos não tem relação com o aprendizado do estudo e da convivência pública -trataria mais de moralizar hábitos. A segunda é que o ambiente escolar é desfavorável a tal aprendizado ou não dá conta das questões levadas por seus alunos nem das diferenças entre eles. Nota de comportamento?! Isso é coisa da escola de antigamente ou não, afinal?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br; blogdaroselysayao.blog.uol.com.br



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