São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002
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s.o.s. família rosely sayão

Pais ausentes não são os que trabalham fora

Já que estamos na época em que pais e filhos estão bastante envolvidos com os presentes de Natal, vamos aproveitar e conversar sobre os pais que são presentes na vida dos filhos. E nada melhor do que começar falando do oposto, ou seja, dos pais ausentes.
Hoje, essa expressão ganhou destaque, principalmente, porque muitas escolas e muitos profissionais passaram a creditar o comportamento indisciplinado -ou desinteressado dos estudos- de crianças e adolescentes ao que eles chamam de pais ausentes. Traduzindo: pais ausentes, na concepção quase geral hoje em dia, são os pais que trabalham -e bastante- fora de casa e, por isso, quase não têm tempo para estar com os filhos, acompanhar o desenvolvimento deles, orientá-los sempre que for preciso, ensinar valores morais e de convívio etc. Mas será que uma mãe, por exemplo, que não tem um emprego, que não tem carreira ou vida profissional é, necessariamente, uma mãe presente? E um pai que trabalha mais de dez horas diárias? Ele não pode de modo nenhum ser um pai presente?
Já deu para perceber que pais ausentes não são aqueles que trabalham fora; pais ausentes são aqueles que estão tão voltados para si, para a própria vida, para seus sonhos, metas e ambições -inclusive as que estabeleceram para os filhos-, para seu lazer, seus compromissos sociais etc. que quase não sobra tempo interno para os filhos, não resta espaço dentro deles para os filhos. Desse modo, há muitos pais e mães que passam muito tempo cronológico com os filhos, mas, na verdade, são ausentes da vida deles.
Por isso essa culpa que muitos pais -mães, principalmente- sentem em relação aos filhos pelo tempo que dedicam ao trabalho não procede. Na verdade, para o filho é bem melhor que ele tenha a mãe longe por mais tempo, mas realizada e satisfeita quando se relaciona com ele, do que a mãe por perto, mas frustrada e, portanto, impedida de exercer bem seu papel com ele.
Mas é possível equilibrar a dedicação à própria vida, o prazer de exercer um trabalho profissional e de se reconhecer nos frutos dele e, ao mesmo tempo, deixar o tempo -interno, principalmente- dos filhos intacto? Sim, é possível. E, para tanto, é preciso que os pais se dêem conta de que, a partir do momento em que tiveram filhos, a vida se transformou.
E não se trata apenas de ter mais trabalho, de ter mais preocupação, de ter muito mais responsabilidade. A transformação é crucial: trata-se de se responsabilizar por uma nova geração. E isso significa abrir mão de várias coisas para que haja espaço para dar conta dessa nova vida.
Cada pai e cada mãe encontram o seu jeito de fazer o filho perceber que eles estão sempre disponíveis, mesmo que não seja na hora em que o filho quer. Mas eles estão sempre escutando os filhos, mesmo quando estes não usam a mesma linguagem que eles. O que é difícil é ser capaz de ouvir o que o filho fala. Os pais acham que é importante conversar com os filhos, mas poucos sabem ouvir o que eles têm a dizer. Outro dia, em um programa de TV, um homem disse que, caso seus filhos tivessem problemas com drogas na adolescência, ele optaria pelo "democrático" caminho da conversa: "Teria com eles muita conversa, até que eles aceitassem e compreendessem o meu ponto de vista". Que conversa é essa? Isso é monólogo -e dos bem autoritários!
O presente mais valioso que os pais podem dar aos filhos é este: uma presença humanizadora, firme, afetiva e efetiva, constante, orientadora, que é o que permite aos filhos que reconheçam seu mundo interior e identifiquem os limites e o potencial do mundo exterior. Assim, eles aprendem a se situar na configuração social em que vão viver e conviver: a partir da família.
Desejo, neste fim de ano, muitos pais presentes -professores também, é claro- para um melhor futuro aos filhos e aos alunos.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e- mail: roselys@uol.com.br


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