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Especialistas criticam diagnóstico apressado e abuso da prática dos sofisticados procedimentos de fertilização in vitro e Icsi
Médicos pedem cautela na reprodução assistida
Joel Silva/Folha Imagem
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A garota Jéssica, de 10 anos, que foi gerada por reprodução assistida |
ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma crítica grave envolve as sofisticadas técnicas de reprodução
assistida, lembrando a moda da cesárea no Brasil, o segundo país
campeão em realização desse tipo de parto: há médico aplicando esses
métodos a torto e a direito, os pacientes agradecem, pagam muito por
isso, e a saúde da criança gerada pode sofrer consequências. Em resumo, profissionais da área alertam para a banalização das técnicas de
fertilização in vitro e Icsi, conhecidas
como de alta complexidade, por parte da mídia e de uma parcela dos médicos que trabalham com reprodução
humana.
"Estamos criando uma geração de
inférteis", declara o urologista Jorge
Hallak, diretor de andrologia da Sociedade Brasileira de Reprodução
Humana e coordenador do recém-inaugurado Centro de Reprodução
Humana da Divisão de Clínica Urológica do Hospital das Clínicas (HC) de
São Paulo.
Segundo a geneticista da mesma
instituição Patrícia Pieri, 20% dos filhos de casais inférteis que recorrem à
técnica Icsi poderão vir a manifestar
infertilidade também. "Não é um número mágico, mas, se fizermos exercícios de estatística e de análise de outras doenças geneticamente determinadas e dos vários padrões de herança existentes, vamos ver que, compondo todos esses riscos, chegamos a
algo em torno de 20%", diz.
"A infertilidade terá de mudar a sua
classificação, porque ela passou a ser,
ou potencialmente pode vir a ser,
uma doença hereditária, por conta
das técnicas de reprodução assistida,
dos recursos tecnológicos de que dispomos", afirma Agnaldo Cedenho,
coordenador do setor integrado de
reprodução humana da Unifesp.
A polêmica já começa aqui. Para o
ginecologista José Gonçalves Franco
Junior, chefe do Centro de Reprodução Humana da Maternidade Sinhá
Junqueira, de Ribeirão Preto, "passar
infertilidade para o filho é um probleminha ridículo. Se ele está com boa
saúde, está indo bem na escola, pode
corrigir isso no futuro fazendo uma
Icsi. Qual o problema?".
Dois terços dos homens com problemas de fertilidade poderiam ser
tratados sem ter de recorrer à proveta
ou partir para a Icsi (conheça a diferença entre as técnicas na pág. 8), diz
Hallak. O mesmo vale para 50% das
mulheres. Cedenho pondera: tais números estão corretos desde que a parceira do homem infértil tenha menos
de 35 anos de idade e nenhum problema de fertilidade. No caso das mulheres inférteis, seus parceiros, independentemente da idade, não podem
ter problemas de fertilidade.
O diretor de uma das mais antigas e
conceituadas clínicas de reprodução
humana do país, o andrologista Roger Abdelmassih, que realiza em média 120 fertilizações in vitro por mês,
contesta veementemente: "Esses números não existem". Como ele, o ginecologista Franco Junior diz que
"não há como dar suporte para esses
dados".
Segundo Abdelmassih, "nos países
desenvolvidos, onde o governo ou os
planos de saúde pagam integralmente os tratamentos, cerca de 50% dos
casos de infertilidade são resolvidos
com a fertilização in vitro, desde o
início", diz. Hallak rebate: "Na Europa, para cada três ou quatro intervenções de baixa complexidade, é realizada uma de alta complexidade".
A banalização
A Icsi deve ser indicada em casos mais graves, e não
banalizada, diz Hallak. "Essas técnicas estão sendo colocadas como o arroz com feijão, quando deveriam ser
consideradas o salmão russo do jantar", diz o urologista.
Cedenho concorda e alerta para a
distorção do conceito da reprodução
assistida, como se fosse a única via
para se fazer um filho. "Isso cria a falsa imagem de que o casal precisa ser
milionário e que tem de procurar
uma Nasa para engravidar; a população carente e menos informada é bastante afetada", diz Hallak.
Diagnóstico ligeiro
Os críticos apontam falhas no diagnóstico em nome do uso das técnicas avançadas.
Como consequência, não são detectadas certas causas de infertilidade que,
se tratadas, podem devolver ao paciente a capacidade de gerar filhos naturalmente. Infecções e obesidade no caso do homem e alterações hormonais e pólipos na mulher são algumas delas. "Mas há médicos oportunistas
que nem tiram a roupa dos pacientes;
nem os examinam e já indicam técnicas avançadas", diz Hallak.
O urologista Edson Borges, diretor
da clínica de reprodução Fertility, outra das mais importantes do país, refuta a crítica de que as clínicas exageram na indicação das técnicas mais
complexas. Ele admite que 90% dos
casais com problemas de fertilidade
realmente podem ser tratados sem
recorrer a técnicas de alta complexidade. Mas argumenta: "O que acontece é que os pacientes que nos procuram já fizeram inseminação artificial
[procedimento considerado de baixa
complexidade], operaram três varicoceles e já não possuem mais tempo
de se tratar".
Abdelmassih diz que esse também é
o caso dos pacientes que procuram a
sua clínica: "Eles chegam bastante
"mexidos", procurando um último recurso. Já passaram por diversos tratamentos em outros locais".
Gravidez inesperada
Recorrer à
reprodução assistida, conseguir ter filhos e, pouco tempo depois, como
num passe de mágica, a mulher deparar-se com uma gravidez natural. Essa situação é comum, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de
Reprodução Humana, o ginecologista Nilson Roberto de Melo. E ela indica que os pacientes não estão tendo
um diagnóstico adequado e que os
modernos métodos de reprodução
assistida podem estar sendo usados
sem necessidade.
Foi o que aconteceu com o auditor
fiscal Sérgio e a dentista Estela Zeitune, de 37 e 40 anos, respectivamente.
Eles fizeram uma Icsi e ganharam um
casal de gêmeos, os garotos Sérgio e
Louise, hoje com seis anos de idade.
"Eu achava que era muita ansiedade, mas ela quis de qualquer jeito",
conta o marido. Um ano depois, a
mulher se surpreendeu com uma nova gravidez, dessa vez ocorrida por
vias naturais. "Cheguei a pensar: será
que eu precisava ter feito mesmo a Icsi? Mas não me arrependi, até porque
meus filhos estão aí, saudáveis, inteligentes."
"Estamos diante de uma questão
delicada. A Icsi garante um resultado
bastante bom, e os casais querem resultados. E há a questão financeira, o
interesse econômico por parte de algumas clínicas. É uma questão de
concorrência de mercado", diz Melo.
A história do administrador de empresas Roberto Pagliaricci, 37, e sua
mulher, a biomédica Suely Dias, 38,
são exemplo de uma outra consequência da indicação apressada de
técnicas de reprodução assistida.
"Depois de tentarmos durante seis
meses, pensamos que o tempo estava
contra nós, então decidimos procurar um médico", conta Pagliaricci.
Logo o ginecologista sugeriu uma fertilização in vitro -segundo a OMS,
só após um ano de relação sexual sem
métodos contraceptivos é que a possibilidade de infertilidade pode ser
considerada.
Foram feitas duas fertilizações, mas
nenhuma delas surtiu efeito. Por sorte, Pagliaricci consultou-se com um
urologista e descobriu que tinha varicocele. Ele passou por uma microcirurgia para corrigir o problema, e,
graças a esse tratamento, o casal conseguiu ter filhos. E naturalmente.
Varicocele polêmica
A varicocele é apenas uma das doenças que levam à infertilidade e que, se curada, pode, em alguns casos, evitar as técnicas de alta complexidade para gerar um bebê. Mas sobre isso também há polêmica.
Cedenho, da Unifesp, diz que a reversão da varicocele permite que a
qualidade do sêmen melhore em 70%
dos casos, tendo como consequência
uma expectativa de gravidez de cerca
de 40%.
Abdelmassih discorda. "Há trabalhos publicados mostrando que a
correção da varicocele, na maioria
das vezes, não melhora a qualidade
do sêmen; melhora apenas a quantidade, em alguns casos."
Discordâncias sobre números à
parte, é importante saber que as causas da infertilidade podem não estar
diretamente relacionadas com problemas no aparelho reprodutor.
Tabagismo e fertilidade
"Às vezes, falar para uma pessoa parar de
fumar é tratar da reprodução humana. Ou, por exemplo, pode acontecer
de uma mulher ter hipo ou hipertireoidismo e, corrigido o problema,
ela voltar a ovular e engravidar", diz o
urologista Edson Borges.
Todos os tipos de câncer causam
infertilidade, às vezes temporária. "O
paciente não sabe que tem um tumor,
que pode estar no início, vai ao médico e ouve que está infértil. Se você faz
um bom diagnóstico, trata o tumor,
essa pessoa pode ficar curada e ter filho sem fazer Icsi", afirma Hallak.
Distúrbios femininos
No caso
da mulher, o ginecologista Rui Alberto Ferriani, chefe do setor de reprodução humana do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), diz que
tratar uma endometriose, por exemplo, se ela não estiver em idade avançada, pode garantir uma chance de
30% a 35% de gravidez.
Já em um caso de distúrbio de ovulação, podem ser aplicados medicamentos para induzi-la. "Acho indispensável evitar o excesso de procedimentos mais complexos, mas é preciso observar que há situações em que
não devemos retardar a fertilização in
vitro, principalmente se a mulher tem
mais de 35 anos", diz Ferriani.
Sem pular etapas
A comerciante
E.O.H, que pediu para não ser identificada, de 53 anos, faz coro com Ferriani. Para conseguir gerar sua filha
Jéssica, hoje com dez anos de idade,
diz que teve o seu caso devidamente
investigado.
Ela foi operada de uma endometriose e passou por um processo de
estimulação ovular, até que recebeu
do médico a notícia de que teria de
engravidar a partir do óvulo de outra
mulher. "Minha vontade era tanta
que não me importei com o fato de
gerar uma filha que não teria minha
carga genética."
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